Frases do compositor Antônio Carlos Belchior são frequentes neste espaço, diante disso, grito que “Nordeste é uma ficção, Nordeste nunca houve”. Os versos que cabem como uma crítica social aos olhares das demais regiões, também reforçam um clamor de desespero do nosso ilustre cearense, pedindo por espaço no meio de tanta segregação e preconceitos.
O Nordeste existe sim e é um local repleto de pluralidade, brilho e sons que jamais podem ser calados. A estereotipação dos nordestinos ainda é grande diante a imensidão do tempo. Em pleno século XXI, essa região tão diversificada ainda é vista como uma alameda de fome e descaso.
Iniciamos o mês junino, junto com ele ecoam os festejos, comemorações e relances que ganham o país. Celebrar este período, mesmo diante do isolamento social e a tão severa pandemia, é necessário para acender uma chama tão vivida nos nossos corações.
“A celebração do nordestino é o São João”, a frase não é minha e sim do grande Chambinho do Acordeon, artista que tem muito para nos ensinar diante a imensidão que existe da nossa cultura popular. A afirmação é correta e, mesmo nesse longo momento de pandemia, fazemos mais jus à palavra “saudade” rememorando as fogueiras, bandeirolas e as quadrilhas.
Começar junho falando de Chambinho do Acordeon é uma alegria enorme. Nivaldo Expedito de Carvalho, seu nome de batismo, é um dos mais brilhantes representantes das nossas origens nordestinas e vale ser valorizado como tal. O artista afirma que sua playlist é diversificada e vai de Mano Brown aos clássicos da MPB, mas foi o Nordeste de seus pais e avós que fez pulsar mais alto seu coração.
“A Pancada da Zabumba ritmou meu coração”
A figura marcante de Chambinho sempre me chamou atenção, mas somente na última semana pude conversar com esse ilustre cantor por telefone. Conversa agradável com quem eu já admirava antes mesmo do estrelato nacional. Com voz mansa, risada leve e grande sensatez, o compositor é categórico diante seu trabalho e nos mostra que ainda há o que aprender sobre o nosso forró.
Apesar das origens familiares serem do Piauí, há exatos quatro anos, o compositor escolheu Fortaleza como moradia, o que orgulhosamente faz questão de contar. Apesar do mercado para seu tipo de ritmo ainda ser mais popular em outros estados do país, Chambinho preferiu os mares verdes da Praia de Iracema para contrastar com o sertão que tanto ama.
“Meu avô era sanfoneiro, tinha tio também, e a sanfona foi me ganhando, apesar de ter estudado outros instrumentos”, afirmou o artista em papo por telefone. Chambinho ganhou notoriedade no filme “Gonzaga: de Pai para Filho” (2012), apesar dessa ascensão por meio das telonas, ele já traça uma trajetória de talento na nossa música popular.
Mesmo desfrutando de prestígio entre o público, o “Alavantú ou Anarriê” que palpitavam na sua alma em todo mês de junho foi calado nessa pandemia, assim como nos mais variados artistas conterrâneos que tinham o São João como o ápice do seu sucesso e ganhos.
“Esse ano está mais difícil que o ano passado, até as lives estão desaparecendo. Os artistas precisam de mais incentivo. Tem muito sanfoneiro passando necessidade”, lastimou Chambinho. Mesmo diante das dores, o artista celebra a data vivenciando o Nordeste. “Foi a pancada da Zabumba que ritmou meu coração”, completou o cantor.
Ainda diante desse cenário tão difícil, nosso ilustre músico tende a sonhar em um futuro melhor. Durante o longo período de isolamento, aguçou seu olhar esperançoso em novos projetos. Exemplo desses é uma regravação da “Apologia ao jumento”, sucesso do mestre Luiz Gonzaga, gravado agora em parceria com Chico Pessoa.
Além deste trabalho, Chambinho tem músicas inéditas prestes a serem lançadas. O canto delas ganhou tom na voz da autêntica Elba Ramalho e também da querida Solange Almeida. Como o show não pode parar, ainda nesta pandemia, ele vem estudando conteúdo audiovisual e montando um estúdio em casa para reforçar suas produções, sempre com qualidade.
O candeeiro nunca se apaga
Conversar com Chambinho do Acordeon é uma satisfação daquelas. Seu trabalho reacende um Nordeste que merece ser relembrado, inclusive pela própria terra. O artista enaltece a região e sua diversidade cultural, são muitos sons e ele apenas representa um deles. Ainda assim, o forró tradicional, como costuma ser chamado, conta muito sobre nossa história.
O chapéu de vaqueiro que resplandeceu sobre a cabeça da BBB Juliette Freire revive em muitos dos nossos corações. Apesar da multi influência, rememorar na música o vaqueiro, o sertão castigado, o lamento do excluído ou a alegria do repente, faz o Nordeste maior em vários aspectos (se é que isso é possível).
Pertencente a uma safra nova de artistas, Chambinho do Acordeon foge do padrão, resgata uma essência que resiste no nosso olhar, mesmo quando a metrópole tende a engolir cidadãos comuns. Me perdoe, Belchior, mas o gibão de couro, mesmo que em outro formato, prevalece vivo na garra do cearense, em seus gritos e apelos.
Entramos em junho sem foguetes, aluá, fogueira ou pé de moleque, mas o São João, visto como festa, reside na nossa memória e também planos futuros. Não me canso de repetir: o show não pode parar. E é por ele que nosso suor continua a lacrimejar por um Nordeste sobretudo forte!