Sobre o costume português de secar roupa pendurada à janela

Até gourmetizaram o varal com a modinha do "Sundrying"

São casas portuguesas, com certeza. Passada a friagem do inverno, o colorido do cenário está de volta – e não apenas pelas flores da primavera. Nas janelas das varandas azulejadas, penduradas no gradil ou estendidas em varais externos improvisados com cordão e arame, peças recém-lavadas secam ao sol e ao vento.

São toalhas de banho e de mesa, lençóis, calças, camisas, vestidos, pijamas – e, de quando em vez, algumas indiscretas “cuecas”, como aqui em Portugal são chamadas as calcinhas. Em dias ensolarados – como este, no qual escrevo –, as roupas estendidas ao ar livre estão por toda parte, realçando a paisagem.

Nos jornais e sites de notícias, a pauta nacional se repete, tão sazonal quanto aquelas que discorrem sobre a floração anual das amendoeiras ao final dos meses de frio: afinal de contas, é proibido ou não estender roupa nas janelas aqui em Portugal?

Uns garantem que sim, outros asseguram que não – e todos têm idêntica razão. Isso depende dos códigos municipais, que variam de cidade para cidade, assim como das regras específicas de cada condomínio. Indiferentes à celeuma, os portugueses continuam a estender suas roupas à janela da rua.

Há quem reclame que isso conspurque o espaço público e denote certo desleixo. “Coisa de gente pobre e sem modos”, queixam-se uns. “Costume cultural arraigado”, abonam outros.

A julgar pelo interesse dos turistas – que adoram apontar câmeras de celulares para o festival de roupas embandeiradas à janela –, os varais nas fachadas das casas portuguesas deveriam ser tombados como patrimônio nacional.

Eles são tão tradicionais quanto o pastel de natas, a dança do vira, a sardinha na brasa e o sacudir de farelos e restos de comida da toalha de mesa para a rua. Além disso, fiquei sabendo, os varais são motivo de outra instituição lusitana: a discussão de vizinhos à janela. Os de baixo reclamam dos de cima porque a roupa molhada destes pingou sobre a roupa já quase seca daqueles. Ou porque a guimba de cigarro – aqui conhecida como beata –, atirada do alto por um, chamuscou a camisa nova do outro.

Nos prédios e sobrados mais antigos, desprovidos de áreas de serviço, não há outro jeito senão recorrer ao velho artifício, pois nem todo morador dispõe de máquinas de secar – a conta de energia anda tão cara quanto um jantar em um restaurante típico aqui no Porto, na Ribeira, daqueles especializados em extorquir estrangeiros.

Nos edifícios mais modernos, detalhes arquitetônicos de varandas envidraçadas que dão para o pátio interno, aliadas a varais de teto, apontam alternativas ao velho costume. Na freguesia onde moro, a profusão de lavanderias self-service – deparamos com uma a cada esquina e mesmo no estacionamento de shoppings e supermercados –, parece estar condenando o hábito ancestral ao passado.

Uma pena. Dessa forma, os portugueses que desistiram de pendurar roupa à janela estão na contramão de uma nova tendência internacional e supermoderna, já adotada pelos jovens descolados de todo mundo: um tal de “Sundrying”.

Segundo li no site do International Journal of Research, trata-se de uma modalidade de estilo de vida consciente, natural e sustentável – ou seja, “ecofriendly” – baseada na secagem de roupas com energia solar: em vez de recorrer à energia elétrica da secadora, basta pendurá-las ao sol.

Pois é, gourmetizaram o varal. Dizem que a modinha do “Sundrying” está fazendo o maior sucesso entre os hipsters da Vila Madalena, lá em São Paulo. Não duvido.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.