O que teria a nos dizer Rodolfo Teófilo, um século após lutar contra o medo da vacina?

Impossível não pensar nele. Sempre que ouço e leio notícias sobre a atual pandemia, de imediato me vem à mente a figura daquele homem de barbas longas, muito alto e magro, montado em um cavalo branco, debaixo do sol quente, percorrendo as areias dos subúrbios de Fortaleza. Na bolsa que trazia à tiracolo, estavam as seringas, agulhas e doses da vacina fabricada por ele próprio, no laboratório que montara nos fundos de casa, no antigo boulevard Visconde de Cauípe, atual avenida da Universidade.

Era o início do século XX. A cidade mais uma vez se via assolada pela varíola, moléstia que poucos anos antes matara um quinto da população local.

Por conta própria, enfrentando a ignorância dos que temiam a vacinação, denunciando a irresponsabilidade de autoridades negacionistas, o farmacêutico Rodolfo Teófilo tomava para si a tarefa de imunizar os cearenses contra a peste.

Ao fundar uma liga popular de combate à epidemia de varíola, Rodolfo dedicou quatro anos de sua vida a bater de porta em porta, convencer os moradores um por um, explicar em linguagem simples e clara a necessidade incontornável da vacina. Em alguns casos, recorria a metáforas e simbologias, fabulava historietas, apelava para imagens míticas, já sedimentadas no imaginário popular.

O que teria a dizer, a nós, cidadãos do século XXI, o farmacêutico Rodolfo Teófilo? Por certo, entre pasmo e incrédulo, constataria que mais de cem anos depois ainda existem os que desacreditam da ciência, desdenham o conhecimento, desprezam os cuidados básicos de contenção do contágio.

A missão de Rodolfo revestia-se de duplo significado. Era uma cruzada contra o vírus, mas também contra o obscurantismo. Uma campanha pela saúde dos corpos, mas também pelo esclarecimento das mentes. À intolerância dos brutos, tentava responder com a persuasão dos argumentos. Por causa disso foi perseguido, difamado, ofendido, vilipendiado. Perdeu o emprego de professor do Liceu, foi levado à quase absoluta falência, inventaram notícias falsas sobre a vacina que produzia.

Nem depois de morto cuidaram de lhe fazer alguma justiça. Derrubaram-lhe a casa — antiga sede do vacinogênio e das reuniões da célebre Padaria Espiritual, uma das mais originais agremiações literárias brasileiras —, quebraram a placa com seu nome, tentaram apagá-lo inteiramente da memória coletiva.

Insistimos em não aprender nada com a história. Infelizmente, ainda não inventaram vacina contra o vírus da insensibilidade, da inépcia e da arrogância envaidecida de si mesma.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.