Você acorda cansado quando tem uma noite mal-dormida? E quando são várias noites inquietas, a produtividade em outras searas da vida vai sendo afetada? Bom, essa é a realidade de muitas mães com filhos pequenos, sobretudo as que ainda amamentam.
Cabe aqui dizer algo óbvio: o tempo de licença-maternidade no Brasil não chega sequer perto de ser páreo para o tempo estipulado pelos órgãos de saúde infantil para um bebê ser amamentado ao longo da vida, que é de no mínimo seis meses, sendo recomendado o aleitamento até dois anos ou mais.
Amamentar é só um dos trabalhos de cuidado muitas vezes invisibilizados pela sociedade (afinal, quem não ouviu ou naturalizou a frase “ela só cuida do bebê”?). O tempo que um bebê fica no peito (sugando o leite ou em uma sucção não-nutritiva) pode durar minutos ou horas. A depender da idade, por dia, conforme a Sociedade Brasileira de Pediatria (SPB), um bebê demanda de 8 a 12 mamadas. Quanto tempo isso consome?
Se considerarmos 30 minutos de mama, esse tempo pode chegar a seis horas.
Essa mulher que amamenta nem sempre (ou quase nunca) terá à disposição uma rede de apoio, remunerada ou não, para as outras tarefas necessárias ao bebê e para o seu próprio bem-estar e da família, como cuidar da limpeza da casa, das roupas, da alimentação. Enfim, da gestão do lar.
O trabalho de cuidar
Todas essas atividades mencionadas fazem parte de um tema que até tem ganhado alguma luz nos últimos anos, mas ainda precisa de muito debate: a economia do cuidado. Com tantas tarefas diárias que levam as mulheres a exaustão, provocando adoecimento físico e emocional, será que ainda dá para cogitar que elas e os homens - que ainda hoje dificilmente desempenham da mesma forma essas funções - estão em pé de igualdade?
As mulheres e as mães têm batalhado cada vez mais para não ficarem (ainda mais) desprivilegiadas nessa largada injusta. É assim no mercado formal, no informal e entre as que empreendem também.
Algumas chegam até a se equilibrar entre as tarefas de cuidado, o trabalho CLT e o empreendedorismo. É o caso da contadora e artesã Helena de Sousa, cuja história é contada em um especial que escrevi para o Diário do Nordeste publicado neste Dia das Mães, que, modéstia à parte, é um compilado de histórias fortes, inspiradoras e de superação.
De licença-maternidade com um bebê de dois meses, Helena cuida da casa e produz bijuterias nas poucas horas que o filho dorme.
Essa rotina frenética, digamos assim, também é próxima da realidade das outras duas protagonistas da reportagem em questão, Karolaine e Priscila.
Karolaine, por exemplo, se emociona ao lembrar que precisou abrir mão de alguns momentos com o filho ao enfrentar várias jornadas, entre elas um curso superior. Ela reconhece que precisava daquilo para sustentar a criança.
Priscila confeitava na madrugada para conseguir cuidar do filho durante o dia.
Múltiplas jornadas
O acúmulo de papéis fica evidente na pesquisa “Perfil das Mulheres Empreendedoras do Nordeste Brasileiro”, da aceleradora de empreendedorismo feminino Be.labs. No Ceará, 45,88% das empreendedoras sentem dificuldade em conciliar trabalho, tarefas domésticas e cuidar dos filhos (jornada tripla) e 37,65% sentem dificuldade em conciliar estudo, trabalho, tarefas domésticas e cuidar dos filhos (jornada quádrupla).
Essas mulheres mães se dividem entre mil jornadas em prol do desejo de garantir o melhor para os filhos, mas como seria essa jornada se a Economia do Cuidado tivesse um reconhecimento maior e seu debate gerasse bons frutos?
A Economia do Cuidado equivale a 11% do Produto Interno Bruto (PIB), de acordo com dados da organização não governamental Think Olga. O trabalho não-remunerado de cuidado das mulheres equivale a US$ 10,8 trilhões. Se fosse uma economia mundial, esse trabalho seria a quinta maior do planeta.
Isso mostra a necessidade urgente de falar mais sobre o tema e do desenvolvimento de mais políticas que viabilizem o empreendedorismo feminino e o empreendedorismo materno, com uma atenção mais do que especial para as mulheres empreendedoras pretas e de periferia, que normalmente estão ainda mais atrás nessa largada por uma série de circunstâncias.
O caminho a ser percorrido parece longo, ainda, e passa não só por esse eixo, mas sobretudo por mudanças estruturais.
Por aqui, penso que não custa nada alimentar a esperança de que nossas filhas tenham no futuro condições melhores de trabalho, seja empreendendo ou com CLT, sendo mais reconhecidas independentemente da função que desempenharem. E torço que para quando eu for avó, minha filha e neta estejam inseridas em um mercado - e em um mundo! - mais igualitário.