Igreja no Benfica, em Fortaleza, é prova de amor de esposa a marido português

Paróquia Nossa Senhora dos Remédios foi inaugurada somente após a morte do casal; ainda assim, a dedicação da mulher e de vários fiéis para realizar o sonho é anúncio vivo do carinho e da persistência

As cidades estão cheias de histórias de amor. São grafites, floriculturas, despedidas nos aeroportos e até monumentos. Em Fortaleza, a Paróquia Nossa Senhora dos Remédios é praticamente uma carta escrita em tijolo e concreto. Quem vê de fora, pode não capturar as entrelinhas – aquilo que, de fato, ergueu o edifício. Mas adianto que foi amor. E muito.

Tudo começou no início do século XIX. João Antônio do Amaral, comerciante português, tinha um sonho: construir uma capela na chácara Benfica. A propriedade sob posse dele – que acabou nomeando o bairro surgido na localidade – precisava, porém, cumprir a exigência de ter Nossa Senhora dos Remédios, de quem João era devoto, como padroeira.

A santa era a mesma padroeira da paróquia onde ele nascera e fora batizado, na ilha de São Miguel, arquipélago português dos Açores. Não tardou para que o homem imaginasse a nova estrutura a fim de homenagear a mãe espiritual. As cores, o tamanho, como ela ficaria bonita. As pessoas ocupando os assentos, tirando terço e novena. Daria orgulho. Proveria fé.

E Nossa Senhora dos Remédios era, de fato, especial. A devoção a ela no mundo iniciou com São João de Matha, fundador da Ordem da Santíssima Trindade. Com intuito de resgatar cristãos feitos de escravos na África e no Oriente Médio, ele e São Félix de Valois fundaram, em 1198, a Ordem Hospitalar da Santíssima Trindade. 

Para manter a iniciativa, porém, precisavam de dinheiro. Foi assim que buscaram, no auxílio de Nossa Senhora, o remédio para todos os problemas. Com apoio da Virgem Maria, conseguiram suprir as finanças e libertaram milhares de cristãos da escravidão. 

Para a língua medieval, os substantivos “remédium” e “redémptio”, bem como os verbos “remediare” e “redímere”, possuíam significados parecidos: resgatar, redimir, remédio, libertação e salvação. Nossa Senhora dos Remédios, assim, é a santa de quem busca redenção, compaixão, novos ares para o corpo e para o espírito.

Mas, voltando a João Antônio do Amaral, mesmo com a esperança de ver a capela construída, infelizmente não deu certo. O comerciante cedo faleceu. A incumbência de seguir com o sonho ficou com Maria Correia do Amaral, esposa do português. Embora enlutada, não tardou a decidir: cumpriria a promessa do esposo ao executar as obras da capela.

O que acontece a seguir são várias provas de amor. Atitudes a priori miúdas, todavia repletas de carinho coletivo. Porque, sabendo da pretensão de dona Maria Correia em erguer a capelinha, o Sr. Joaquim Álvaro Garcia – também residente naquele tempo no Benfica, e desejoso de que a igreja ficasse perto da propriedade dele – ofereceu espontaneamente o terreno para a construção do edifício. Não deu outra: a estrutura finalmente seria levantada.

Conta-se que dona Maria Correia do Amaral trabalhou com afinco para a construção do prédio, a ponto até de fundar uma sociedade de senhoras. Sob o título de Sociedade Auxiliadora dos Templos, tinha como finalidade ajudar a erguer a Igreja. Era emocionante ver todo mundo se movimentando em prol de um querer que nasceu sozinho. Dava gosto.

Mas eis que a dura face da realidade bateu à porta. Apesar do empenho dos fiéis para a conclusão da capela, a obra foi paralisada por falta de recursos. Os trabalhos, assim, se arrastaram durante 32 anos. Isso fez com que aparecessem outras mãos generosas, gente que foi se somando no caminho e transformando tudo. Para melhor.

Alguns moradores abastados do Benfica, tendo à frente o Cel. José Gentil Alves de Carvalho e família, fizeram valiosos donativos. E a partir de várias outras ajudas, foi finalmente possível a conclusão da obra. Somente após a morte de dona Maria Correia do Amaral, em 14 de agosto de 1910, findou-se o soerguimento da nova capela.

O templo foi inaugurado com grande festa, da qual participaram mais de duas mil pessoas. Monsenhor Bruno Figueiredo celebrou a primeira missa na novíssima edificação cearense. A então Capela de Nossa Senhora dos Remédios ficou pertencendo, juridicamente, à Paróquia de Nossa Senhora do Carmo.

De lá para cá, diferentes padres, movimentos e reformas fizeram com que a igrejinha ganhasse o status de Igreja Matriz – sobretudo devido aos esforços da família Gentil. Entre as benfeitorias realizadas no terreno, estiveram a Escola São Vicente de Paulo, depois chamada Escola Pe. João Vaessen, voltada para a educação de crianças pobres; e uma recente restauração das dependências internas do lendário prédio.

A história completa está no site da Arquidiocese de Fortaleza, onde está escrito: “Ressaltamos a importância dos leigos que colaboraram com empenho para a edificação dessa comunidade cristã – desde a família Amaral no século XIX à família Gentil no século XX, passando pelas famílias de hoje. Enfim, reconhecemos o valor de cada fiel pelo esforço expressado por meio de doações financeiras, do voluntariado e do trabalho pastoral”.

Todo dia, quando o relógio bradar o Hino de Nossa Senhora dos Remédios, olha para a fachada e recorda que tudo ali um dia foi sonho. E que as cidades estão realmente cheias de histórias de amor. 

 

Esta é a história de amor de Maria Correia do Amaral e de vários fiéis pelo sonho de João Antônio do Amaral e da fé em Nossa Senhora dos Remédios. Envie a sua também para diego.barbosa@svm.com.br. Qualquer que seja a história e o amor.