Era meados de 1990. Eu, menina urbana, corria apressada numa estrada de terra batida, o verde era tanto, assim como tanta era minha pressa de viver. Campo vasto, vista sem dar conta. Corri mais. Queria conhecer aquele lugar, onde eu já não me reconhecia. Já era ansiosa, eu sei. Tinha muita vida pra investir no tenro desbravar do novo mundo que é cada passo dado aos 8, 9,10 anos de idade. Tudo parece grande demais quando nossa estatura ainda tem para onde ir.
Parei de uma vez! Freei pernas e pensamentos. Engoli a pressa. Suspiros. Respirava como quem dança a música da nossa existência: o sopro do vento em mim. De repente, os passos largos, afoitos iam virando calmaria. Era o início da descoberta de mim. E eu estava conhecendo outras vidas também. E junto a isso, nova forma de ser, existir, habitar. Tudo era - e continua sendo - intensidade, porque a pressa de viver está no coração, vide Belchior.
Ali, já sentia fazerem efeitos em mim os cenários que envolvem corpo, mente. Que abraçam nossas almas, naquela mesma pressa… de descobrir. Já acumulava imagens, pra usar depois. Tradição de vida. Para relembrar: histórias que viraram memória, paisagens que gravei na mente, pra recordar à noite quando o sono não vinha. O hábito que trago ainda comigo. Rememorar na madrugada os cenários que o universo entrega-me de presente e permanecem em mim. Porque recordar é um hábito do coração.
Não era a primeira vez que paisagens sem fim se formavam à minha frente. Gigante, a engolirem todo e qualquer resquício de imaginação transportada pro papel, em desenho, em cartas para mim. Porém, aquele dia era, talvez, uma das primeiras vezes que a calmaria amenizava minha pressa de seguir. Porque criança não costuma caminhar; só correr. Ora como quem foge, ora como quem quer alcançar infinitos.
Pois bem! Eu havia chegado à exuberante terra de tantas águas, Paraipaba. A calmaria veio depois do tanto que corri, apressei-me, desajustei o cocó apertado de quase moça. E percebi que havia chegado a um destino. O meu? Mergulhei. Profundo. Fui carinhosamente arrastada, entre pedras que me alisavam a pele. Olhei em volta, nada se parecia com a rua de asfalto novo e quente, com as esquinas de concreto da boa e agitada periferia. Eu estava sozinha, comigo. Mas não, eu não tinha medo.
Aquela parada súbita é, decerto, porque conheci uma das imagens que mais me atraía nos livros, TVs e histórias de vida. Eu, menina urbana, naquele dia, encontrei-me, pela primeira vez na vida, com um rio. De verdade. Sem papel, sem televisão. Sem histórias de outras vidas. Era eu mesma, para minha própria história. Depois, memória. Lá, desaguei muitas energias de infância, mas recebi tantas outras. Perenes. Vivas, ainda. Até hoje, sinto a correnteza banhar-me a pressa de viver. É uma das melhores memórias da descoberta de mim.