Angela Merkel está prestes a entregar o cargo de chanceler da Alemanha. É um acontecimento cuja importância vai além do seu país e da própria União Europeia: tendo sido a mais jovem personalidade a aceder a tal posto, Merkel, com seu estilo de governo racional e modesto, tornou-se, nos 16 anos em que esteve no poder, a mais forte e constante referência mundial para a liberdade, a democracia e a civilidade.
Seu protagonismo político solidificou-se na União Democrata Cristã (CDU), partido que representa, na Alemanha, o movimento político internacional da democracia cristã, surgido em meados do século 19 na Europa, a partir de associações de cristãos, trabalhadores e instituições de caridade. O partido de Merkel tem ainda forte referência em Konrad Adenauer, chanceler que foi o principal artífice do soerguimento da Alemanha no pós-Guerra.
A Democracia Cristã foi inspirada pela ética social das igrejas –influenciada de modo significativo pela encíclica Rerum Novarum, de Leão 13– e pela tradição liberal do Iluminismo, tendo por alicerce a concepção cristã de homem segundo a qual, diferentemente dos postulados coletivistas, o homem não é pensado a partir de uma classe social, mas a partir da sua individualidade e dignidade únicas e inalienáveis.
A CDU afasta-se dos reacionarismos intolerantes e incivilizados, cultores de ódio e violência que, na Alemanha, estão representados pela AfD, cuja vice-presidente foi aqui recepcionada recentemente por autoridades bolsonaristas.
Durante a crise migratória de 2015, Merkel enfrentou os extremistas com firmeza. Seria cômodo atender ao crescente clamor xenófobo. A chanceler, porém, decidiu pelo acolhimento dos refugiados. Suportou imensa pressão, tornando icônica uma frase de coragem e esperança: Wir schaffen das. Com destemor, ela seguia o princípio humanitário cristão já absorvido na melhor tradição democrática: democracia que devemos conservar, melhorando sempre. Nós vamos conseguir.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor