Wagner Menezes toca samba para se conectar ao avô carnavalesco que não conheceu. O que sabe de Mestre Tim e de música, ele aprendeu de ouvido no Roçado de Dentro, uma comunidade de músicos-agricultores onde vive desde sempre, na zona rural de Várzea Alegre.
O menino tem 18 anos, mas não seria capaz de dizer exatamente como aprendeu a batucar no tamborim ou quantas vezes já desfilou na Escola de Samba Unidos do Roçado de Dentro, fundada pelo avô e outros amigos da comunidade, e que findou por transformar o carnaval de toda a região.
A verdade é que, na vida de Wagner, nunca faltou carnaval. O que ele lembra com nitidez são os preparativos para a festa, cujo tamanho historicamente depende da intensidade das chuvas e do tamanho da colheita na roça.
Desde pequeno, o menino vê aquele vai-e-vem de pessoas costurando roupas vistosas, colando penas e pedrarias. Desde pequeno, ele acompanha os músicos da bateria ensaiando com seus instrumentos depois de um dia de labuta com enxada na mão. Mas o avô mesmo, mestre para a comunidade, morreu antes de ele nascer.
“Acho que aprendi a tocar os instrumentos vendo meu pai tocando e escutando mesmo”, conta Wagner, que hoje integra a terceira geração de músicos da família. E maneja tamborim, surdo, caixa ganzá e repique. Jura ser capaz de se aventurar até mesmo na cuíca. “Acho bom demais a música. Aqui todo mundo é trabalhando e ouvindo”, diz.
Mas Wagner conta que tocar foi a forma que encontrou de se conectar ao avô, Mestre Tim. O músico que nunca conheceu pessoalmente, mas cuja história acessou repetidas vezes, nas vozes dos parentes e amigos da comunidade e até nos jornais.
Tim estava no grupo de agricultores que pintou o rosto com carvão e saiu pelas estradas de terra do Roçado tocando marchinhas de frevo para comemorar o Carnaval em 1963. Eles quebraram os preconceitos da cidade e adentraram pelas ruas de Várzea Alegre, aguçando a curiosidade de todo tipo de classe social.
Simulação do primeiro desfile do bloco em 1963
Ninguém esperava que matuto fizesse carnaval, mas eles ousaram e, na ânsia de serem aceitos, desenvolveram um processo cultural que acabou por remodelar a identidade de toda a cidade. Pelo menos uma vez por ano, os agricultores do Roçado estampam os noticiários para lembrar ao País que a existência deles, tantas vezes esquecida no oco no mundo, faz a diferença.
Então erguem instrumentos e percorrem longos trajetos em um espetáculo que, mais do que pela estética, encanta pelo incentivo do pai, do avô, do tio. Daqueles que venceram a seca e o preconceito para apresentar a comunidade ao mundo e, por isso, são verdadeiros heróis. A imagem do Roçado de Dentro está moldada nos arquétipos de Pedro Souza e Mestre Tim porque foram eles que primeiro se aventuraram para dar sentido à passagem daquele povo no mundo.
A Escola de Samba Unidos do Roçado de Dentro chega agora aos 60 anos com todo esse simbolismo, muito brilho, 18 alas e um carro alegórico. Sairá à avenida depois de dois anos parada por conta da pandemia. Espera-se que mais de 800 pessoas se juntem ao desfile, que homenageará menestréis como Mestre Tim, que sonhava com a eternidade da escola. “Não deixem a peteca cair”, pedia repetidamente.
Pois Wagner cresceu dizendo ao pai que gostaria de conhecer o avô. “Não sei se o chamaria de vovô como chamo minha avó de vovó. Não tive oportunidade, mas tenho orgulho de dizer que sou neto dele”. O que Wagner sabe sobre Mestre Tim é a história do primeiro mestre de bateria da escola, o homem que transmutou das marchas de frevo ao samba, cuja memória de seu apito ainda hoje avisa o tom do samba para todos os componentes.
Bateria da Esurd em 2009
Mestre Tim liderou a bateria da Esurd por 16 anos. Gostava de começar os ensaios para o carnaval logo no primeiro domingo de dezembro para, como dizia, “esquentar a munheca”. Os oito domingos que antecediam o dia do desfile eram o suficiente para o grupo de agricultores promover uma tocada bonita pelas ruas da cidade. Seu guia ainda está na comunidade: manter a tradição.
“Tento conhecer meu avô pela Esurd, que a gente vê como uma coisa que ele queria que a gente levasse pra sempre. Todo mundo pegou isso, e eu também. Vou ficar aqui até ficar velho, se Deus quiser”, promete Wagner.