Do alto do morro Santa Terezinha, um homem franzino zela silenciosamente pelas velas do Mucuripe, paisagem cultural de Fortaleza famosa pelos versos dos músicos Fagner e Belchior. Antônio Banqueiro, de 67 anos, constrói jangadas de olho, de tanto observar cada detalhe da embarcação. Abraçou este ofício, que corre o risco de desaparecer, porque tem um certo horror de permitir que a história de um povo se apague. Ainda mais se esta história é também a sua. E de seu lugar.
É por isso que quase todos os dias o pescador atravessa a rua pedregosa de casa em busca de espaço na calçada oposta para exercer a carpintaria manual que aprendeu sem qualquer curso. Quando tinha 22 anos, Antônio decidiu construir sua primeira jangada de pau de piúba. Já vinha treinando em pequenas miniaturas de 30 centímetros que incluíam cada apetrecho de uma jangada real. Juntou dinheiro, comprou o material, mas a jangada não ficou muito boa.
Desde então, são décadas tentando melhorar o equipamento com o qual se lança ao mar para pegar peixe e alimentar a família. Já conseguiu colocar motor, ampliar o espaço para o gelo que conserva o peixe e agora busca um jeito de dar mais conforto ao pescador no mar.
Cada dia que seu Antônio trabalha para construir sua nova jangadinha, ele preza também por um rico patrimônio de Fortaleza: a paisagem da enseada do Mucuripe. “Na vida, eu aprendi arte e um pouco de cultura”, diz, enquanto explica que um construtor de jangada carece de ter muita concentração e cuidado com os detalhes.
É, assim, como se você fosse um arquiteto. Tem que pensar, medir, alinhar, mas também colocar a mão na massa. Tô construindo uma jangada que dê mais conforto ao pescador.
Aos nove anos de idade, Banqueiro já pedia para ser levado ao mar porque sonhava em ser o “pescador do futuro”. Foi a primeira vez com o pai, mas como ele não tinha embarcação, depois saiu pedindo para ser levado pelos outros pescadores. Ouvia sempre que deveria estudar. “Tenho que trabalhar. Como eu vou estudar com fome?”, retrucava.
Tentou fazer as duas coisas e ainda conseguiu cursar o primeiro grau. Desde então, foi o mar que lhe deu tudo o que tem: inteligência para construir jangada no olho, sem desenho ou esboço; ciência para decifrar o cheiro dos ventos que o guiarão quando o GPS falhar na pescaria, e a casa onde criou seus filhos no morro Santa Terezinha.
Mas quando o futuro finalmente chegou, Banqueiro viu o espaço da orla encolher pela especulação imobiliária e obras urbanas - tudo empurrando os pescadores morro acima. Também viu minguar o número de pessoas empenhadas nos dois trabalhos que deram sentido à sua vida: de pescador e de construtor de jangadas.
“Os rapazes jovens de hoje em dia não querem mais esse trabalho, não se alinham ao pai, ao avô pescador. Tudo se começa de pequeno. Quando cresce, é difícil aprender uma arte. No meu caso, eu aprendi a arte de fazer jangada”, finaliza Banqueiro, guardião de um ofício que, se depender dele, não vai desaparecer.