Nossas cidades estão cheias de fumaça e fuligem provenientes das queimadas e incêndios devastadores. Nosso céu azul, está ficando cinzento. Nosso ar está poluído e as crianças e os idosos, os mais sensíveis, estão tendo dificuldades para respirar. Os ventos fortes e a falta de chuva espalham cinzas e desespero diante de um cenário aniquilador e destrutivo. Casas destruídas, plantações dizimadas, animais mortos, as florestas, os pulmões do planeta, carbonizadas, mortas.
O cenário é apocalíptico. A fumaça impede a visão do horizonte, enquanto o fogo destrói tudo por onde passa. Os danos causados pelos incêndios florestais não se limitam à devastação das florestas e à qualidade do ar. A saúde mental também é afetada, causando problemas emocionais que podem ser caracterizados por crises de ansiedade generalizada, explosões de raiva, crises de pânico e depressão.
Por que esses incêndios florestais incontrolados, devastadores que destrói a natureza, mexem tanto conosco? Fogo e fumaça, dois símbolos fortes. Dois sintomas potentes de um desequilíbrio global. Não vou abordar as consequências econômicas e climáticas, mas apenas focar nos aspectos psicológicos. O que eles despertam como memórias traumáticas em nossa mente e no nosso coração, que gera angústia, tira nosso sono? O que este fogo exterior desgovernado desperta no interior de cada um de nós? Qual é a conexão entre um incêndio em nossas florestas e "incêndios emocionais" descontrolados que já enfrentamos?
Criar vínculos interpessoais passa pelos nossos cinco sentidos. Eles são os canais que nos conectam com os outros e com o ambiente. Ver, ouvir, sentir cheiros, tocar e ser tocado são gatilhos que despertam memórias inconscientes e transgeracionais. O fogo destruidor da paixão pode ser tão devastador quanto os incêndios florestais.
Sabemos que a emoção excessiva pode afetar nossas vidas e relacionamentos. O medo de perder o controle das emoções e machucar as pessoas que amamos e destruir relacionamentos. As fortes emoções podem causar problemas emocionais, como angústia, desespero e desamparo. A falta de amor, o abandono, a paixão cega ou a raiva contida podem causar problemas tanto para aqueles que amamos quanto para aqueles com quem convivemos.
Da mesma maneira que um incêndio pode devastar a riqueza de uma floresta, as emoções descontroladas podem destruir amizades e laços afetivos. Não seria o crime passional, como o feminicídio, um desses momentos de desespero emocional que despertam, enfumaçam e intoxicam a consciência e o ambiente afetivo? Ciúmes, mágoas, ressentimentos e desentendimentos são combustíveis para incendiar relacionamentos tóxicos, causando a ruptura de vínculos afetivos que poderiam ser saudáveis. Da mesma forma que respirar por muito tempo a fumaça tóxica, podemos perder a consciência e até morrer intoxicados. Respirar em ambientes infestados pelos ciúmes, desconfiança, traições, desrespeitos, podemos perder a capacidade de distinguir o certo do errado, o bem do mal, o ontem do hoje e termos reações desproporcionais. Tudo isso são fagulhas que dão início ao incêndio afetivo.
Nos "incêndios afetivos", perdemos a capacidade de analisar e controlar as emoções. O inconsciente vive no presente, o seu passado. As neuro ciências nos diz que: não importa há quanto tempo um fato traumático aconteceu. A área do cérebro atingida pelo trauma, quando é reativada por um gatilho sensorial, o indivíduo revive a emoção como se ainda estivesse na cena traumática do passado. São as pessoas que costumam explodir mais facilmente. Isso pode causar explosões emocionais, mal-entendidos e comportamentos impulsivos que prejudicam a si e os outros. Além da dor emocional imediata, eles podem deixar marcas duradouras, como traumas e inseguranças, afetando futuras relações e a saúde mental.
Cultivar a empatia e o cuidado nas relações ajuda a controlar os incêndios afetivos. Estar atento às necessidades e sentimentos do outro é essencial para manter o calor do afeto sem o destruir. Os incêndios afetivos nos lembram da necessidade de cuidado e controlar nossas emoções e relacionamentos. Ao aprender a administrar a intensidade e a natureza dos nossos sentimentos, podemos evitar a “devastação emocional” e promover conexões mais saudáveis e duradouras.
E, no combate ao fogo destruidor de nossos impulsos agressivos, de ódio, quais táticas podemos usar para apaziguar um coração ferido, uma mãe desesperada, filhos sobreviventes de dramas familiares? É importante buscar apoio emocional durante esses períodos difíceis, seja por meio de amigos, parentes, familiares ou profissionais de saúde mental. A comunicação franca e sincera também pode auxiliar na resolução de disputas e na restauração de vínculos, quando viável.
Para evitar incêndios afetivos, abra as janelas do seu coração e da sua mente para se acolher e acolher as pessoas que convivem com você. Procure lugares saudáveis, arejados onde possa conversar sobre sentimentos, expectativas e limites. Isso pode ajudar a prevenir mal-entendidos e a cultivar um ambiente de tranquilidade emocional. Faça parte dos grupos de autoajuda existentes em sua comunidade, seja nas igrejas, nos centros de apoio psicossocial, nas terapias comunitárias e no resgate da autoestima. Esses espaços saudáveis são como um oásis de oxigênio que nos traz a esperança e a alegria de viver em paz consigo e com os outros, além de nos ajudar a tomar consciência dos elementos inconscientes que nos fazem perder o controle.
É crucial aprender a conhecer e gerenciar as emoções de forma sadia, assim, se pode evitar que elas se transformem em incêndios afetivos descontrolados. Ao invés de permitirmos que a paixão cega nos domine, podemos aprender a canalizá-la de maneira construtiva. Ao reconhecer a dualidade do fogo e das emoções, podemos aprender a abraçar seu potencial criativo e transformador, sem os perigos da sua intensidade.
Do mesmo jeito que o fogo destrói, mas ilumina, o amor é um contraponto, uma força poderosa que pode nos inspirar e motivar. Dessa forma, podemos cultivar relacionamentos saudáveis e uma vida mais equilibrada. Isso pode incluir a procura por atividades de lazer, expressões artísticas ou o envolvimento em causas sociais, o que transforma essa energia em algo benéfico.
No combate ao fogo destruidor de nossos impulsos agressivos, de ódio, que estratégias podemos usar para apaziguar um coração ferido, uma mãe desesperada, um jovem refém das drogas? Precisamos consultar mais o nosso coração, precisamos de mais empatia. Estabelecer um diálogo entre nossa razão e nosso coração. É difícil aceitar críticas de pessoas que não conhecem a minha trajetória e as minhas batalhas. Somente o exercício do amor consegue apagar as chamas do desespero de uma alma ferida.
Nunca deixe que o comportamento, as palavras duras e os incêndios emocionais dos outros tirem a sua paz. Da mesma forma que o fogo pode causar incêndios também pode aquecer e iluminar. Cultivar a paciência, a empatia e a compreensão nas relações podem ajudar a manter as emoções em um nível saudável. Estabelecer limites, tanto para nós mesmos quanto para os outros, pode nos ajudar a prevenir que a chama da paixão cega se transforme em um incêndio relacional devastador.
*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.