Diário da vassoura sentimental

Hoje acordei diante de uma pergunta imponente: será que agora, depois de tantos entremezes, ainda posso fazer alguma coisa pela humanidade? O quê? Fabricar vassouras, pianos, abrir cacimbas em aldeias longínquas, limpar as águas do riacho Pajeú... Pensei, pensei... Pensei. Não soube responder. Sei que andamos meio filósofos, procurando soluções para o mundo, nós, os que estamos em casa. E o isolamento é amigo da filosofia.

Costumava me sentir tão pequena como realmente sou, num vasto campo etéreo cheio de planetas desconhecidos girando entre estrelas, nebulosas, meteoros e buracos negros. Mas agora me sinto gigante, não olho mais as estrelas, olho o dia todo um ser milhares de vezes menor do que eu, lindo, esférico, cego, injusto e distraído. Um vírus frágil, promíscuo e gordo. Inocente, pois ele é simplesmente ele mesmo, não tem cobiça nem vaidades, não faz nada pensando no mal, como nós humanos, apenas prossegue seus passeios pelo ar e é sugado por nossa respiração, talvez assustado, ou o colhemos com as mãos e o engolimos, e ele luta conosco uma luta de morte, porque somos incompatíveis. Ando massacrada pelas notícias, pela curiosidade humana, pelo vírus. O que ele quer nos dizer?

Os gatos continuam na praça, com fome de passarinhos, os passarinhos continuam voando, o céu continua claro, escuro, claro, escuro, a lua nem se importa com tudo isso, e as estrelas não sentem a menor saudade do meu olhar. A natureza é majestosa, nossa mãe. Mas não perdoa. Cuidar de gatos de rua, plantar árvores, derrubar o presidente, salvar as florestas...

Depois de matutar sobre como posso salvar a humanidade, fui varrer o chão. Ah, que prazer tão simples! Varrer as pequenas poeiras, os fios de cabelos que nos abandonaram, uma mariposa que terminou sua curtíssima vida de um só dia, uma rodinha de silicone perdida, juntar tudo numa pá e jogar na lixeira.

Olhar o chão que parece imaculadamente limpo, e ter a sensação de que o mundo foi salvo por uma vassoura. Limpar, assear, purificar... Tudo agora é tão extraordinário! Tudo tão extremo!

Uma amiga escritora, a Tércia Montenegro, me mandou uma mensagem dizendo que está escrevendo para as pessoas que ela ama, dizendo, Eu te amo! Jacques Brel derrama sentimentos vibrantes numa canção, ne me quitte pas, il faut oublier. Tenho saudades da Bia e de todos os amores que partiram. Saudades dos netos, saudades de todo o mundo. Saudades do futuro. Leio as palavras de Ailton Krenak vindas das profundezas do Watu, anoitece, um navio acende suas luzes, as velas do Mucuripe vão sair para pescar, a Prefeitura faz sua tarefa e também acende luzes, e as estrelas também.

Omundo não para. Talvez eu possa ir para o interior do Ceará cuidar de um orfanato, ou cuidar de um lar de velhos, talvez distribuir cestas de comida para quem tem fome, ou ler livros para crianças...