"Cidade dos Cata-ventos". Assim já foi descrita Fortaleza nas primeiras décadas do século XX (20). Também chamados de "moinhos eólicos de tecnologia americana", os equipamentos importados começaram a proliferar na Capital do Ceará ainda no século XIX (19), com suas torres de até 18 metros de altura, embelezando praças e garantindo a sobrevivência dos jardins públicos de uma época em que não havia ainda edificações verticalizadas na Cidade. A arquiteta, urbanista e professora pernambucana Aline de Figueirôa Silva estudou a presença dos cata-ventos e garante: foi um diferencial da paisagem urbana de nossa Cidade até ser popularizado o encanamento da rede de distribuição de água.
"A instalação de moinhos eólicos nos jardins de Fortaleza, recorrentes nos rincões rurais dos Estados Unidos, despontava como uma evidente solução de adaptação à geografia local, proporcionando água para a irrigação das plantas e o possível consumo da população e dos animais e fincando marcas na paisagem urbana. Por outro lado, admiráveis no porte e na frequência com que foram retratados em fotos e cartões-postais, os cata-ventos de Fortaleza são desconhecidos da literatura sobre o paisagismo no Brasil. Sua expressiva presença na Cidade dos Verdes Mares lhe valeria o epíteto de Cidade dos Cata-ventos", conclui a pesquisadora, que se interessou pelo tema durante sua pós-gradução na Universidade de São Paulo (USP).
Nos períodos de estiagem, como as secas de 1877-1879, 1888, 1900, 1915 e 1919, havia a perfuração de poços de uso público e a criação de obras emergenciais a fim de empregar retirantes sertanejos, provendo-os de trabalho e alimento. "A grande estiagem de 1877-1879 impôs dificuldades à operação da Ceará Water Work Company Limited, concessionária que realizava o serviço de fornecimento d’água em Fortaleza, mas que já se encontrava em crise", como registrou o célebre historiador Raimundo Girão (1900-1988), uma das fontes da pesquisa de Aline para o artigo "À procura d'água: cata-ventos americanos nos jardins de Fortaleza".
Mesmo com as constantes crises hídricas, havia um esforço dos gestores de conservação dos jardins no coração de Fortaleza como o Passeio Público, as praças do Ferreira, José de Alencar (antes batizada de Marquês do Herval) e Waldemar Falcão, seguindo a então influência francesa no urbanismo cultuado pelas elites do século XIX.
"Em Fortaleza, deu-se o notável aparecimento de cata-ventos ou moinhos de vento nos quintais das residências e espaços públicos da cidade, os quais utilizavam a energia eólica como força motriz para puxar água de poços e cacimbas. Embora tais equipamentos estejam fartamente ilustrados na iconografia fortalezense, há poucas informações bibliográficas extensas sobre sua origem, aquisição, funcionamento e contexto de onde foram importados", observa a especialista, uma entusiasta do desenvolvimento de estudos acadêmicos sobre o paisagismo fora do eixo Sul-Sudeste.
Ela encontrou imagens antigas de cata-ventos pontuais em praças de Belém (PA) e Maceió (AL), mas a pesquisa do material iconográfico e dos relatos de memorialistas em jornais da época comprovou o sucesso desses moinhos na Capital cearense. Os equipamentos, em sua maioria, exibiam, nas pás, o logotipo da marca americana Dandy, americana, embora alguns exemplares fossem de fabricação local, produzidos pela Fundição Cearense. Havia, na imprensa da época, anúncios publicitários de peças usadas.
"O cata-vento ou moinho de vento foi um dos vetores da colonização do Oeste e Meio-Oeste americano, ao proporcionar o bombeamento de água subterrânea, viabilizando o assentamento das populações rurais. Além de suprir as necessidades de fazendeiros e estancieiros, forneceu água para as caldeiras das locomotivas e a bombeou para os telhados das habitações verticalizadas do Leste, bem como compareceu em zonas urbanas e em resorts localizados nas montanhas ou no litoral", relata Aline.
Segundo a pesquisadora, a importação dos cata-ventos dos EUA não foi exclusividade do Brasil e marca um momento histórico em que as relações comerciais entre os dois países começavam a ganhar tração - antes, nossos principais parceiros estrangeiros eram europeus, o que ajuda a explicar por que nossa paisagem urbana da época reproduzia a estética das principais capitais do velho continente.
"O moinho dandy era fabricado pela Challenge Company, de Batavia, Illinois, que o produziu por mais de 30 anos, restando vários exemplares nos Estados Unidos e em outros países. Esse modelo é típico dos moinhos de aço que apareceram no início da década de 1890. O pesquisador documenta ainda a existência de um dandy em 1930 em Curaçau, Caribe, onde a pouca profundidade dos aquíferos de água doce tornou possível o uso de moinhos americanos para bombeá-la e abastecer a população".
Mas a imagem da Cidade dos Cata-ventos foi se desfazendo com o avanço do século XX e a modernização de Fortaleza. "A partir dos anos 1930, a iconografia urbana da capital cearense mostra que os logradouros urbanos não mais possuíam cata-ventos. Naquela época, a cidade já dispunha do novo serviço de abastecimento d’água, o qual compreendia captação, adução por tubulação, armazenamento em duas caixas-d’água localizadas na Praça Visconde de Pelotas (atual Praça Clóvis Beviláqua) e rede de distribuição", pontua a arquiteta.
Vale lembrar que essa Fortaleza dos Cata-ventos era o cenário da maior parte do período da oligarquia dos Accioly no poder, que se instalou no Ceará no início do regime republicano e se prolongou por algumas décadas. "Esses reservatórios eram remanescentes da década de 1910, pois coube ao governador Antônio Pinto Nogueira Accioly (1896-1900, 1904-1912) iniciar as obras do sistema de abastecimento d’água, o qual foi inaugurado somente posteriormente, na gestão estadual de José Moreira da Rocha (1924-1928)", detalha.
Ao refletir sobre as peculiaridades do cultivo dos jardins públicos de Fortaleza no passado, como o uso de cata-ventos e reservatórios, a pesquisadora busca problematizar as representações sobre o Brasil relacionadas à exuberância da natureza tropical e à abundância de recursos naturais. Ela conseguiu reunir evidências empíricas da ligação do Ceará com a cultura material americana, um movimento que se acentou depois, durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), quando Fortaleza abrigou bases militares dos EUA.
O trabalho da arquiteta amplia também as fontes e referências até então pouco utilizadas nos estudos históricos sobre os jardins brasileiros, incluindo as particularidades da realidade nordestina.
"Nos jardins fortalezenses, a seleção de espécies arbóreas, a escassez de peças aquáticas e a instalação de cata-ventos nos conduzem a refletir sobre as releituras das referências paisagísticas europeias mediadas pelo contexto fisiográfico, associado a fatores de ordem cultural. Assim, delineamos novas interpretações acerca dos jardins públicos do Oitocentos e início do Novecentos que ultrapassem a especificidade do caso examinado", conclui Aline.
Hoje, os cata-ventos antigos são raros de encontrar. Ao longo do litoral, há remanescentes, como entre algumas barracas na Praia do Futuro e em residências de praia. Nossa relação afetiva com os ventos, no entanto, ainda é forte e mostra o potencial econômica de nossa terra. A paisagem do Ceará é cada vez mais dominada pela imagem dos aerogeradores e suas pás girando, gerando energia e riqueza.