“Ninguém desvira mãe”. Essas palavras me chegaram como um abraço há alguns dias e trouxeram com elas uma descoberta nada óbvia para quem perdeu o primeiro filho quando ele ainda estava dentro da barriga. Francisco não nasceu para este mundo. Nos deixou muito antes que pudéssemos saber se ele teria um nariz afilado como o meu ou os olhos do pai, Humberto. Era um dia normal. Eu me levantei para nadar no mar, como fazia ao menos três vezes na semana, e o coração miúdo de Francisco havia parado de bater. Nós o recebemos dias depois no hospital, em um potinho revestido de preto que meu marido tentou evitar que eu visse o quanto pôde. Não deu. Quase tudo o que veio a partir dali fazia parecer que Francisco não havia existido, e que eu não era mãe. Como não?
Nunca vi minha irmã Sâmia sorrir tão largamente como quando lhe demos a notícia de que Francisco estava a caminho, por videochamada. Ainda não sabíamos que seria um menino, mas mesmo assim ela já começou a separar todas as roupinhas que meu filho herdaria do dela, recém-nascido. “Samuel, você não vai poder pular na barriga da titia mais”, diria minha mãe várias vezes depois, falando ao seu primeiro neto. Tomamos vários cafés planejando como poderíamos comemorar o aniversário dos dois juntos, como minha mãe fez durante toda a infância comigo e minha irmã.
Quando ainda não sabia que Francisco ajeitava sua casinha dentro de mim, nadamos juntos até o Mara Hope, aquele navio que encalhou há décadas na Praia de Iracema e virou ponto turístico. Quando soube que estava grávida, pensei nele como um pequeno peixinho que me acompanharia todo dia com cuidado pelas águas salgadas que me davam forças. Nadamos muito no espigão do Náutico, com direito a muitas fotos para ir acompanhando o crescimento da barriga, que começava a despontar bem devagarzinho.
Francisco, que nunca nasceu para este mundo, também me acompanhou em algumas reportagens, junto da melhor fotógrafa e sua madrinha, Fernanda Siebra. Juntos, rodamos pelas dunas do Cumbe em um Fiat Uno para falar de racismo ambiental e acompanhamos estudantes por dias na periferia de Fortaleza para trazer de volta alunos que haviam evadido da escola na pandemia. Francisco, dinda Nanda e eu ganhamos alguns prêmios de jornalismo, éramos uma ótima equipe. E algumas vezes nas reuniões de pauta do jornal onde eu trabalhava, mostrei a barriga despontando para o trio de editoras mulheres que, depois, choraram comigo a perda dele e me deram tanta força. Sororidade também salva a gente.
Francisco, meu filho, você teve o melhor pai do mundo. Lamento tanto por você não ter nascido para sentir o abraço do Beto, que cuida da sua mãe sempre e que teria feito ainda mais por você. Seu pai é a força da nossa família, nosso alicerce. Todos os dias lembramos de você. Quando você partiu, compramos a árvore de natal mais pomposa para colocar no topo a estrela que sua dinda Nanda nos deu como lembrança sua.
Vou encerrar este texto, meu filho, com as palavras dela porque elas reverberam a sua existência e o seu propósito com a gente: “Antes mesmo de chegar nesse mundo, você conheceu a melhor coisa que ele tem: o amor. A saudade, a dor, o coração apertado é a maior prova desse amor. Você foi desejado, sonhado e amado. A vida não seguiu os planos que a gente queria. Talvez você tenha sido preciso lá em cima e a gente ainda não sabe bem porquê, mas o que eu sei é que você é luz, feito estrela pra iluminar quando a noite chega feito prova de que o amor existe”. Obrigada, meu filho, por todo este amor que você deixou com a gente. E, neste Dia das Mães, um abraço grande em todas as mães como eu, que perderam seus filhos na barriga ou ainda bebês.
Beatriz Jucá é mãe do Francisco e jornalista.