Dosar a retirada de estímulos fiscais será a questão-chave para definir a trajetória de recuperação do país no pós-pandemia, avaliam os economistas Armando Castelar, Manoel Pires e Nilson Teixeira.
Para os analistas, esse "desmame" das políticas de estímulo deverá definir a trajetória fiscal do país e o ritmo do crescimento, que vai depender de um aumento da demanda privada que compense a retração esperada da demanda pública.
Castelar, Pires e Teixeira avaliam que, nesse cenário, a inflação e os juros devem permanecer baixos por ainda muito tempo. E que um ambiente externo bastante favorável deve anestesiar a urgência do governo em lidar com a questão da dívida pública.
Coordenador de Economia Aplicada do FGV-Ibre, Castelar lembrou que o país entrou na crise atual já em situação bastante desfavorável, ainda combalido pela recessão anterior, com crescimento em torno de 1% ao ano e dificuldade de retomar investimentos, que tiveram seu pico em 2013.
No entanto, a recuperação do país na pandemia tem surpreendido, e isso se deve em grade parte ao fato de o país ter adotado um dos maiores pacotes de estímulo fiscal como proporção do PIB (Produto Interno Bruto) do mundo.
"O que vem pela frente é complicado, há a necessidade de uma retração fiscal, que obviamente tem um impacto negativo sobre a demanda e, portanto, sobre a economia. Parece inevitável, não há como manter o nível de estímulo fiscal atual", disse Castelar.
Assim, o economista avalia que a demanda privada terá que crescer para compensar a queda da demanda pública, o que já começa a acontecer no comércio e na indústria, mas segue distante no setor de serviços, que continua muito retraído.
Para Manoel Pires, pesquisador associado do FGV-Ibre, a agenda fiscal se tornou muito complexa no pós-pandemia, porque será preciso tratar da questão federalismo -com diversos estados e municípios em situação delicada-, do combate à pobreza e ao mesmo tempo manter alguma estabilidade fiscal, sem a qual não é possível sustentar os juros em nível baixo.
"Temos no pós-pandemia objetivos que são antagônicos, então a dosagem da retirada dos estímulos será muito importante, para não aumentar de maneira expressiva o risco fiscal, mas dando algum suporte para a atividade econômica."
Para o economista, uma solução possível é uma mudança na composição dos estímulos, posto que o Brasil, diferentemente de outros países, optou por num primeiro momento proteger mais as pessoas do que as empresas.
"Podemos retirar um pouco mais rápido os estímulos de transferência de renda, mas permanecer um pouco mais com os estímulos de crédito para as empresas poderem se capitalizar e se recuperar", sugere Pires, avaliando que isso já começa a acontecer com a redução do auxílio emergencial de R$ 600 para R$ 300, com menor abrangência.
Nilson Teixeira, sócio-fundador da Macro Capital, destacou que uma questão central no pós-pandemia será o governo definir rumos para o que quer, já que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem se concentrado nas últimas semanas em deixar claro o que não quer.
"Há uma percepção que não tem dinheiro, mas acredito que isso é equivocado. Há dinheiro e há muito dinheiro, mas ele está ocupado em outras atividades", disse Teixeira.
"O presidente já disse claramente que não quer reduzir o abono salarial, não quer reduzir aposentadorias via congelamento ou desindexação ao salário mínimo, não quer congelar o salário mínimo", listou. "O presidente precisa dizer o que ele quer fazer, caso pretenda ter uma transferência maior para o que ele chamou de paupérrimos."
Para Teixeira, algumas possibilidades nesse sentido seriam retirar os abatimentos de saúde, educação e Lei Rouanet do Imposto de Renda, usar renúncias fiscais como o Simples e a Zona Franca, aumentar imposto do funcionalismo. Mas tudo isso esbarra em lobbies organizados.
Inflação
Questionados sobre as perspectivas para a inflação no país, diante dos debates recentes em torno da alta de preços do arroz e outros itens da cesta básica, os economistas avaliaram que o repique inflacionário deve ser passageiro.
Para Teixeira, a alta dos alimentos é explicada por uma combinação de demanda doméstica aquecida pelo aumento de renda dos mais pobres através das transferências governamentais, crescimento da demanda externa através das exportações e alguma redução da produção devido a quebra de safras em determinadas culturas.
"As transferências vão diminuir e a demanda vai diminuir por conclusão, embora a poupança possa amortecer um pouco isso", disse o sócio-fundador da Macro Capital.
Pires lembrou que isso também deve acontecer em âmbito internacional. "Há no mundo inteiro uma quantidade de estímulos enorme e vários dos itens que estão sofrendo essa pressão inflacionária têm preços cotados no mercado internacional. Assim, na medida em que os estímulos vão sendo retirados, a pressão deve se desfazer."
O pesquisador associado do FGV-Ibre lembrou ainda de que o país vem de um processo sistemático de inflação abaixo da meta, e que mesmo os juros em queda não conseguiram mudar essa trajetória.
No pós-pandemia, com ociosidade maior na economia e desemprego em alta, a pressão sobre a inflação é baixista, avalia Pires, o que deve permitir que os juros permaneçam em baixo patamar por muito tempo.
Castelar, por sua vez, avaliou que a inflação não preocupa no momento atual, mas pode voltar a ser uma questão em meados de 2021.
"Os governos estão com déficits enormes, os bancos centrais estão imprimindo dinheiro como nunca lá fora, e aqui mesmo acabamos de ver o BC transferir quase R$ 400 bilhões ao Tesouro. Acho que a questão da inflação pode sim voltar a ser um tema não só no Brasil, onde há a questão fiscal, mas lá fora também."
O economista avaliou ainda que o Banco Central foi longe demais na queda de juros e devia ter encerrado o ciclo de baixa antes.
Para Castelar, porém, esse mesmo ambiente internacional de liquidez abundante deve permitir ao governo não tratar a questão da dívida pública com a urgência necessária no próximo ano.
"O ambiente externo nos próximos ano deve ser favorável, o dólar tende a cair, o Fed deve manter juros baixos até 2023 e a China deve crescer 8%. O ambiente externo tende a anestesiar a urgência de lidar com questões com a dívida pública", afirmou. "Mas a dívida mais alta compõe o ambiente de problemas que fazem o país não conseguir crescer."