Cearenses acima de 50 anos lutam contra 'velhofobia' no mercado de trabalho

Conforme dados do Caged, o saldo de empregos no estado ficou negativo para essa faixa etária no ano passado, com mais demissões que contratações

Desempregado aos 59 anos, Severino José da Silva vai ao Sine a cada dois dias na busca de um emprego. Essa saga já persiste há três anos e a falta de uma renda própria pesa no orçamento familiar da casa onde mora com dois irmãos e uma sobrinha. 

“Eu estou sozinho em casa sem renda nenhuma, tenho um filho para pagar pensão e tô sem pagar. Tá difícil, já tentei de tudo. Às vezes até para a almoçar tá difícil”, desabafa. 

Severino considera que sua idade é um fator importante para a dificuldade em retomar ao mercado de trabalho, já se aproximando da velhice. Ele lembra que, quando ele era mais novo, a recolocação costumava não tardar tanto para chegar. 

Por mais que vários fatores influenciem na recolocação profissional, os dados mostram uma desvantagem para os cearenses acima de 50 anos. Conforme dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), o Ceará fechou 2022 com saldo negativo de empregos para essa faixa etária: ou seja, mais demissões que contratações. 

Ao todo, foram admitidos 37.100 cearenses acima de 50 anos no ano passado, mas 38.465 foram demitidos, gerando um saldo negativo de 1.365 empregos. Considerando dados de 2023 até fevereiro, já foram demitidas 696 pessoas a mais do que contratadas nessa faixa etária. 

Uma saída para driblar esse cenário e conseguir a recolocação é investir em capacitações, tanto para atuar em novos ramos como para se atualizar em novas tecnologias necessárias no mercado de trabalho. 

Busca pelo emprego 

O motorista José Wellington dos Santos, de 56 anos, está desde setembro do ano passado sem um emprego de carteira, mesmo já tendo mais de 22 anos de experiência no cargo. Ele estava no Sine em busca de uma oportunidade no ramo, mas aberto também a outras possibilidades.  

Nessa idade é bem complicado para o mercado de trabalho. Tem poucos dias que estou à procura, já deixei currículo em duas empresas. Eu fui chamado para trabalhar em uma empresa, mas quando cheguei lá descobri que trabalhava até aos domingos, aí fica inviável trabalhar de domingo a domingo sem ter descanso, sem ter um momento com a família. Não deu para mim”
José Wellington dos Santos
Desempregado

Seu plano é conseguir um emprego para passar os próximos quatro anos, para poder finalmente dar entrada na aposentadoria. Uma vez aposentado, ele pretende deixar de trabalhar para descansar. 

Mais distante da aposentadoria por tempo de contribuição, Severino José quer voltar a trabalhar nos cargos de estoquista e ajudante de vendedor, mas aceita qualquer outro ramo caso não seja cobrada experiência. 

“Antigamente eu era empregado rápido, mas nesses tempos agora está mais difícil. Para um cara da minha idade, né, eu já tenho 59, já estou perto da terceira idade. Estou tentando conseguir, venho de dois em dois dias aqui no Sine para tentar conseguir outra vaga para voltar para o mercado de trabalho”, narra. 

Ele tem planos de se conseguir a aposentadoria por invalidez devido a um problema de surdez. Mas, mesmo depois de aposentado, ele quer continuar trabalhando.  

Desde 2017 José César Araújo, de 54 anos, não trabalha na sua área de maior experiência, como digitador. Ele está desempregado desde janeiro do ano passado. 

“Se eu for atrás só do que eu sou [digitador], nunca vou arranjar emprego não. Estava como auxiliar de produção, mas era muito pesado, teve um dia que eu peguei bursite e eu não aguentei. Eu tenho o Instagram do IDT e vejo as vagas. Sou auxiliar de escritório, digitador e auxiliar de produção. Qualquer uma dessas posições eu vou, até zelador eu topo, porque eu tô desempregado”, compartilha. 

Saldo de empregos negativo 

O presidente do Instituto de Desenvolvimento do Trabalho - IDT/SINE, Vladyson Viana, explica que apesar de a pirâmide demográfica brasileira estar caminhando para um envelhecimento da mão de obra, as demissões ainda são frequentes no público com idade mais avançada. 

“Quando considera acima de 50 anos a gente observa um saldo negativo na contratação, são postos de trabalho que eram ocupados e foram desligados. Estamos demitindo mais trabalhadores do que contratando”, ressalta. 

Ele considera que as empresas precisam fazer mudanças de cultura para perceberem que esses colaboradores mais velhos ainda têm algo a contribuir. Além disso, ele enfatiza que é necessária uma preparação para o trabalhador acima de 50 anos. 

Primeiro tem que trabalhar a capacitação, ele tem que se preparar para o novo mercado de trabalho, do mundo analógico para o digital. Preparar para esse novo mundo é importante. E também modernizar mesmo o que está na indústria, reciclar esse profissional seja na sua ocupação original ou em outra ocupação”
Vladyson Viana
Presidente do IDT/Sine

Viana acrescenta que o empreendedorismo pode ser uma saída para essa faixa etária que têm dificuldades de voltar para o mercado de trabalho. Por conta disso, ele avalia que é essencial que existam políticas de microcrédito voltadas para esse público. 

Capacitação é a chave 

O professor de economia da Universidade Federal do Ceará (UFC) Rafael Barros considera que o mercado em si não discrimina as pessoas pela idade. Segundo ele, o que acontece é que apesar de os trabalhadores mais velhos normalmente terem mais experiência, muitas vezes falta uma atualização a novas tecnologias. 

“Depende muito do tipo de pessoa, se é uma pessoa com muita experiência, mas com pouco conhecimento moderno, provavelmente está fora do mercado e tem dificuldade de inserção. Agora aquelas pessoas mais velhas, mas que conseguiram se atualizar com as mudanças, elas estão muito bem porque além da experiência tem um conhecimento razoável para continuar no mercado de trabalho e ser bem remunerado”, aponta. 

Ele ressalta que algumas profissões que exijam maior condicionamento físico podem até ter restrições, mas que, no geral, cargos mais intelectuais ou de escritórios levam mais em conta habilidades que idade. 

O economista pontua que é fundamental que o público maior de 50 anos busque se atualizar para, no mínimo, saber utilizar ferramentas básicas em computadores, algo indispensável hoje.  

“É importante que haja processos de qualificação para pessoas mais velhas se recolocarem no mercado de trabalho. É difícil que elas tenham a mesma habilidade que um jovem com computador, por exemplo. O mínimo é usar computador, Excel, Word e outros. O que pode aumentar a recolocação dessas pessoas é a qualificação”, reforça.