O ano era 2017 quando foi homologada a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento referência para a elaboração dos currículos escolares e propostas pedagógicas. A abordagem da Educação Financeira nas escolas, assunto um tanto limitado à academia e instituições especializadas à época, foi com certeza um dos destaques do material.
Mas, ora, se levar a Educação Financeira para a sala de aula (algo que especialistas acreditam que já deveria acontecer há muito mais tempo) era ainda uma espécie de vanguarda, o que dizer da Educação Fiscal? O conteúdo também apareceu na BNCC de 2017 como Unidade Curricular Eletiva (UCE) e, a partir daí, começou a ganhar espaço nas salas de aula em todo o Brasil.
Tire a sua dúvida
O que é a Educação Fiscal enquanto disciplina eletiva?
Esta é a primeira reportagem da série "Educação Fiscal: formando novos cidadãos", composta por três publicações. Ao longo deste texto, você acompanhará como a Educação Fiscal, que há sete anos integra a BNCC, passou a proporcionar um novo olhar a jovens cearenses.
Falar de vanguarda - sobretudo quando se trata de educação -, é falar do Ceará. Antes mesmo que a BNCC trouxesse a Educação Fiscal como disciplina, apesar de não-obrigatória, o Estado já contava com alguns casos de abordagem do assunto com a finalidade de formar cidadãos mais conscientes de seus papéis em sociedade e construir uma nação fortalecida.
Em 2013, quatro anos antes da Base Nacional Comum Curricular ser lançada, um acordo de cooperação técnica entre a Secretaria da Educação do Estado (Seduc) e a Secretaria da Fazenda do Estado (Sefaz) foi firmado com o intuito de difundir a temática na rede pública estadual de ensino.
Oferta em EEMTIs
De acordo com a Seduc, desde 2017, com a criação da UCE de Educação Fiscal, a disciplina eletiva é ofertada com carga horária de duas horas semanais nas Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral (EEMTI).
"As escolas que possuem em sua matriz curricular a Unidade Eletiva de Educação Fiscal têm entre seus objetivos de aprendizagem o cumprimento das obrigações tributárias e o combate ao desperdício e à depredação dos bens públicos, fatores importantes para contribuir com cidadãos mais conscientes e financeiramente educados", diz a Seduc.
Mas a semente da Educação Fiscal nas escolas nasceu ainda antes do acordo de cooperação técnica. Clarissa Barroso, gestora do Programa de Educação Fiscal do Ceará (PEF-CE) da Sefaz, lembra que a ideia de implementar um programa de consciência tributária nas escolas brasileiras surgiu em 1996, durante um seminário sobre Administração Tributária realizado na Capital cearense.
Hoje, 80 EEMTIs oferecem a Unidade Curricular Eletiva de Educação Fiscal, que acontece de forma semestral. O número representa cerca de 22% das 367 EEMTIs existentes no Estado. "De lá para cá, a presença da Educação Fiscal nas escolas do Ceará vem se consolidando", pontua Clarissa.
Apesar de o número não representar nem um quarto das instituições de ensino nessa modalidade, a gestora vê a evolução como positiva. "É muito, posto que o catálogo das UCEs oferece mais de 500 disciplinas", explica.
Para entender
Senso de pertencimento à sociedade
Cuidado com o patrimônio público
Danos causados por práticas ilegais no âmbito tributário
Um novo olhar para questões do cotidiano
Uma das escolas que ofertam a Educação Fiscal é a EEMTI Profa. Telina Barbosa da Costa, onde Francisca Tayná Lima estuda. Ela tem contato com a eletiva desde o ano passado e afirma que, desde que começou a aprender mais sobre o assunto, “tem outro olhar para as questões tributárias”.
“Nós estudamos muito sobre leis tributárias e vemos também sobre a educação financeira nesse contexto, como lidar de forma responsável, consciente, bem como as funções sociais dos tributos”, destaca, revelando que o tema já era abordado com ela pela família em casa e a escola veio para reforçar essa base.
“Eu passei a entender muito mais sobre coisas como um boleto, que era algo em que eu não prestava atenção”, detalha Tayná.
Estudante da mesma instituição, Victor Lyan dos Santos teve o seu primeiro contato com a eletiva em 2024. “Comecei a ter um pensamento diferente sobre o assunto, mais conhecimento por ter inciado o foco sobre isso na eletiva”. “Meus pais já comentavam comigo em casa sobre educação financeira, mas comecei a ter ainda mais conhecimento sobre Educação Fiscal e conversar mais com eles sobre o assunto”.
A eletiva é ministrada por Ewerton Abreu de Andrade, professor de Geografia por formação e capacitado por meio da parceria entre Seduc e Sefaz para trabalhar com a Educação Fiscal em sala de aula. “Dentre os assuntos que a gente trabalha em sala, um dos que mais despertaram o interesse são os impostos trabalhistas. Os alunos tinham muitas dúvidas em relação a isso e também sobre como o dinheiro chega até a escola”, revela Abreu.
Ele acrescenta que gostaria de ver a Educação Fiscal se estendendo para além das escolas de tempo integral, chegando a todas as unidades da rede estadual. “Teríamos, assim, cidadãos com um olhar bem mais apurado. Conhecimento é libertador”.
Diretor da EEMTI Profa. Telina Barbosa da Costa, Rafael Barbosa compartilha dessa mesma esperança. “Os alunos conseguem ter uma consciência do que compram, do que geram de imposto, de onde vem o dinheiro da merenda, dos livros e outros materiais. Isso cria a consciência de que são cidadãos e de que precisam preservar o que tem dentro das escolas. Não é de graça, é gerado a partir dos nossos impostos”.
“E aí a gente acredita que, a partir desse processo, conseguiremos ter estudantes e adultos com consciência maior para reivindicar direitos e cobrar dos políticos esse retorno de forma satisfatória”, enfatiza o diretor.
Transformação a partir da eletiva
Clarissa Barroso acrescenta que, para além das paredes das escolas, outras ações realizadas em parceria entre Seduc e Sefaz visam ambientar os jovens com a cidadania fiscal, como a possibilidade de visita à Sede da Pasta fiscal.
"Além dos estudantes do ensino médio, da rede pública de ensino, existem outros públicos da Educação Fiscal. Ações também são desenvolvidas nas escolas do ensino fundamental e nas universidades, de uma forma mais transversal, não como uma disciplina", destaca a gestora.
Ela reforça que a transformação causada pelo contato com a Educação Fiscal na sala de aula é "tremenda". "É como se retirássemos uma fenda que cobrisse seus olhos. Eles passam de uma postura meramente contemplativa de vida para uma visão de que eles pertencem àquela sociedade e podem exercer influência sobre o que acontece com ela. Eles são levados a perceber que o Estado deve ser uma representação deles, da sociedade", arremata Clarissa.