A vocação para vendas leva muitos cearenses a montar o próprio negócio, nem que seja no meio da rua. Foi assim com Francisco das Chagas Rodrigues de Lima (70), que veio de Aracati para Fortaleza, há 40 anos. "Porque lá era muito fraco para os negócios", justifica o ambulante instalado no Centro da Capital. Ele é um dos 969.570 trabalhadores informais por conta própria no Estado, segundo levantamento da Tendências Consultoria, que utilizou dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Um dos principais inconvenientes de trabalhar por si só é a remuneração. Depender do desempenho das vendas durante o mês para contabilizar o apurado gera uma incerteza e insegurança para quem escolheu este caminho. A situação é ainda mais grave para quem não é formalizado, ou seja, não possui Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) da atividade que exerce.
Ainda segundo a pesquisa, o rendimento mensal médio de quem tem um negócio formalizado no Ceará chega a R$2.480,90 - valor três vezes maior do que ganha um trabalhador por conta própria sem CNPJ (R$820,40), em média, montante ainda menor que o salário mínimo, de R$998.
Falta de emprego
Para o professor do curso de Economia Ecológica da Universidade Federal do Ceará (UFC), Aécio Alves de Oliveira, a informalidade é um indicador da falta de emprego.
"O País vive em uma situação de crise já há algum tempo e a geração de emprego não é suficiente para absorver a juventude que chega ao mercado de trabalho", explica.
Além do aumento da população em idade para trabalhar, Aécio cita o avanço tecnológico como uma fonte de desemprego e, consequentemente, da informalidade. "As tecnologias, de uma forma geral, diminuem a necessidade de mão de obra, o que gera o chamado desemprego estrutural", afirma o professor.
Com a falta de vagas no mercado de trabalho formal, o informal acaba sendo alternativa para pessoas que não conseguem colocação. "Elas não podem ficar esperando, então vender tapioca com café em uma esquina passa a ser uma opção de sobrevivência", pontua. Ele acrescenta que "na sociedade em que vivemos, o dinheiro é a senha mais importante de acesso aos bens necessários para sobrevivência tanto biológica quanto social".
Sobre a drástica diferença salarial entre os formais e informais que atuam por conta própria, Oliveira explica que a média se torna ainda mais baixa pela quantidade de pessoas que estão na informalidade. "Os bens vendidos no mercado informal são populares, direcionados para a classe assalariada mais baixa. Se você tem uma fluência muito grande de pessoas nessa direção, a renda total do setor vai ficar dividida por um número cada vez maior", esclarece.
Pensando no futuro
Em geral, os trabalhadores informais não se preocupam ou não conseguem destinar recursos para pagar, por exemplo, a contribuição previdenciária ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Aposentado há cinco anos, Francisco das Chagas é uma exceção e diz que sempre teve esse objetivo em mente.
"Quando cheguei a Fortaleza, com três meses que estava trabalhando procurei o INSS e comecei a pagar. Meu pai dizia que 'era um negócio sem futuro' e que era melhor eu financiar uma casa. Mas não liguei. Tanto que uns anos depois, eu precisei fazer uma operação de uma hérnia e passei um ano e dois meses recebendo benefício", conta o ambulante, enquanto diz os preços aos clientes que não param de chegar.
Francisco tem a mesma preocupação de garantir o futura da esposa e da filha.
"Lá em casa, somos eu, minha esposa, filha e neto. Sustento todos com o dinheiro da aposentadoria e das vendas e ainda pago o INSS da minha mulher e filha. Ela teve que sair do emprego, porque meu neto tem autismo e precisava dela".
Como única fonte de renda da residência, Lima destaca que só o dinheiro do INSS não seria suficiente. "Os remédios do meu neto são muito caros. Ele só toma água de coco, aí todo dia eu tenho que deixar R$20 em casa para isso. Faça as contas que no final do mês dá um monte de dinheiro. Dá pra viver, porque Deus é bom demais".
Renda básica universal
O professor Aécio Alves afirma que uma das tendências que tem se discutido mundialmente é a questão da renda básica universal, que define um valor ao qual qualquer cidadão tem direito, independentemente de quem seja. "O que se quer com isso é deixar a pessoa mais à vontade para procurar a ocupação que mais lhe agrada. O medo do desemprego tem podado muita gente".
Alves pontua que esse é um projeto viável, possibilitado pela maior taxação sobre riqueza e patrimônio e redução de impostos dos bens de primeira necessidade. "Teria dinheiro à vontade. É uma escolha política, mas o ultraliberalismo não está preocupado com isso". Ele ainda acrescenta que nenhuma política de emprego irá resolver o problema da informalidade, porque "a finalidade da empresa capitalista não é gerar emprego e sim, obter lucro".