A crise provocada pela pandemia do novo coronavírus parece ter tido pouco impacto no mercado de financiamento imobiliário. Segundo a Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), foram financiados no Ceará, de janeiro a maio deste ano, 2.065 imóveis, uma alta de 8,05% na comparação com igual período de 2019. Somente no mês passado, no auge da pandemia, foram 635 unidades, um crescimento de quase 40% em relação a maio de 2019.
Quanto ao valor financiado, de janeiro a maio, o Ceará registrou pequena queda de 1,8% na comparação com igual período do ano passado. Enquanto nos primeiros cinco meses de 2020 o total financiado no Estado foi de R$ 468,4 milhões, em 2019, esse valor ultrapassou R$ 477 milhões. Apenas em maio, a elevação do valor foi de 14%, totalizando R$ 124,3 milhões em imóveis financiados.
De acordo com a presidente da Abecip, Cristiane Portella, os resultados do Ceará surpreenderam e mostraram que o Estado segue a tendência nacional de crescimento.
"Foi uma surpresa para a gente ver o Ceará mantendo números bons. Mesmo que ainda não seja o percentual que vimos para o Brasil, o importante é ver essa manutenção em plena crise. Já que o financiamento é um planejamento de longo prazo, muitas pessoas que estavam com isso engatilhado não reviram os planos. O mercado do Ceará está na mesma linha do País e os números vêm de uma forma mais positiva do que a gente poderia imaginar", pontua.
Conforme dados mais recentes da Abecip, os financiamentos imobiliários com recursos das cadernetas do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) atingiram R$ 7,13 bilhões em maio de 2020, um avanço de 6,5% em relação ao mês anterior e de 8,2% comparativamente ao mesmo mês do ano passado, no Brasil.
Entre os primeiros cinco meses de 2019 e de 2020, os empréstimos destinados à aquisição e à construção de imóveis em todo o País avançaram 23,2%, atingindo R$ 34,08 bilhões, o que revela influência pouco expressiva do isolamento social.
Fatores
Para Portella, a melhor hipótese que explica esse aumento dos financiamentos é a queda da taxa básica de juros (Selic), que teve redução de 0,75 ponto percentual e atualmente encontra-se a 2,25% ao ano.
"São taxas de juros nunca vistas no País, mesmo que ainda não sejam as menores do mundo. Além disso, o brasileiro tem essa questão de observar a taxa e a questão da prestação que cabe no bolso".
O segundo fator seria a redução no preço dos imóveis, na comparação com os valores de 2015. "Em qualquer comparação que se faça, o preço dos imóveis não retomou o patamar de 2015. Temos imóveis mais baratos e taxas relativamente boas. O que está mantendo o mercado são as pessoas que pouparam e têm o mínimo de previsibilidade do fluxo de caixa", acrescenta.
Para o pesquisador na área de finanças pessoais e professor do curso de Ciências Contábeis da Universidade Federal do Ceará (UFC), Érico Veras, há dois movimentos influenciando o mercado.
"De um lado há a crise financeira, e ela dá uma parada no mercado imobiliário. Com isso, há empresas com produtos em estoque. Quem está em estoque está criando condições diferenciadas para aquisição, condições melhores de pagamento. Para quem tem condições de comprar, o momento é interessante".
Além disso, Veras diz que a redução da taxa de juros influenciou as pessoas na hora de decidirem pelo financiamento.
"Junto com isso apareceram condições diferentes de parcelamento, como a Caixa com prestação atrelada à inflação, fazendo a prestação cair. Se essa inflação se mantiver, o financiamento fica mais barato. São fatores que fazem com que as pessoas que têm recursos parados vejam oportunidade de comprar um imóvel", aponta.
O presidente do Conselho Regional de Corretores de Imóveis (Creci Ceará), Tibério Benevides, também concorda que a significativa redução nas taxas de juros e a desaceleração da inflação proporcionou um aumento no financiamento imobiliário ofertado pelas instituições financeiras, dando ao cliente mais opções e melhores condições de aquisição do imóvel.
"A demanda por financiamento deverá crescer muito nos próximos anos, pois financiamos e usamos menos de 2% de nosso PIB, enquanto o Chile usa mais de 20% do PIB. Na Europa, vários países já usam até 58% do PIB para financiamento imobiliário. Em todo o mundo, após alimentação, a moradia é o que tem de mais básico. E nós estamos apenas iniciando uma estabilização em nossa economia, já vemos bancos particulares anunciando financiamentos a 6,90% ao ano".
Oportunidade
Para o professor da UFC, a dica mais importante neste momento é saber se a prestação cabe no bolso e prever a vida financeira nos próximos anos.
"É importante olhar as taxas, as condições de financiamento, avaliar as alternativas em várias instituições financeiras. Nesse ambiente de inflação mais baixa, no horizonte de médio e longo prazos pode ser que essa prestação aumente porque você não sabe como a inflação vai estar daqui a quatro anos, por exemplo".
A presidente da Abecip afirma que se há segurança do fluxo de caixa, este pode ser sim o melhor momento para adquirir um imóvel. "Se a pessoa tem uma previsibilidade do seu fluxo, tem o valor da entrada, um emprego seguro, eu acredito que sim, é o momento (de comprar), porque os preços estão atrativos, as taxas de juros estão boas. A maior variável é o nível de segurança do fluxo financeiro".
Negócio
O empresário Francisco Lindomar Brito da Silva resolveu dar prosseguimento aos planos mesmo durante a pandemia. Segundo ele, a família tinha cinco lotes com financiamento em andamento na Região Metropolitana de Fortaleza. Com a pandemia, ele decidiu repassar dois para quitar o financiamento dos outros.
De acordo com ele, no caso de desistência por algum lote, a empresa só devolveria 50% do valor pago. Em vez de desistir, seu Francisco vendeu o lote para outra pessoa e ficou com o crédito na imobiliária. "Com o dinheiro, eu dei entrada em mais um lote e fiquei com saldo para outro financiamento na mesma empresa. O momento é de comprar imóveis com financiamento em andamento", avalia.