Medidas sobre a Selic devem ditar ritmo de reação à crise

A elevação da taxa básica de juros e o fim dos incentivos fiscais adotados na pandemia geram cenário de incerteza. Para especialistas, as novas decisões do Copom deverão sinalizar formas de lidar com a baixa atividade econômica

A manutenção da Taxa Básica de Juros na última quinta-feira (29) em 2% - menor patamar histórico - sinaliza um novo comportamento do Comitê de Política Monetária do Banco Central (BC), assim como novos efeitos à economia do País. Referência para os juros comerciais (empréstimos e imobiliário), as decisões que envolvem a Selic nos próximos meses devem ditar como o Brasil irá reagir à recessão econômica deflagrada pela pandemia de Covid-19.

O professor e economista Allisson Martins projeta uma Selic a 3% no fim do próximo ano. No entanto, para ele, o aumento não deverá ter a ver com pressão inflacionária. "O nível da atividade econômica ainda está baixo, nós temos elevações de inflação pontuais e não tem a ver com a demanda, mas com o desordenamento de algumas atividades devido à pandemia. Está faltando insumos, matéria-prima, que de alguma maneira gera escassez, subindo os preços. Nós devemos ter aumentos leves, mais como sinalizador e não como marcação de posição", explica.

Ele lembra que reduzir a Selic é uma estratégia para acelerar a atividade econômica: "A conta é simples. O juro alto impacta a economia de duas formas. A primeira é que o custo financeiro das operações bancárias fica mais alto. Nós tivemos uma Selic de 14,25% por muito tempo, o que elevou o juro bancário por ter a Selic como referência".

O segundo impacto, de acordo com Martins, está relacionado com a atratividade dos investimentos. Ainda em um cenário de taxa de juros alta, o investidor tem a opção de aplicar recursos no Tesouro Selic ou montar um negócio com rentabilidade de 10%, por exemplo. "Ele vai buscar um ativo livre de risco. Quando a Selic baixa, o jogo vira e algumas coisas começam a acontecer de positivo", afirma.

Um dos impactos positivos mais visíveis dos cortes aplicados neste ano é o barateamento do financiamento imobiliário e o consequente incentivo à compra e construção de imóveis. Em meio à pandemia, bancos públicos e privados, como Caixa, Banco do Brasil, Itaú e Bradesco, anunciaram cortes no juros em modalidades de crédito habitacional para pessoas físicas e jurídicas.

Pandemia

O conselheiro do Conselho Regional de Economia no Ceará (Corecon-CE) e também professor Ricardo Eleutério aponta que a pandemia intensificou o corte da Selic em um momento em que o Copom já sinalizava a intenção de interromper as reduções.

"Agora, nas reuniões, o Banco Central deixa pré-anunciado o que deve acontecer no encontro seguinte. Eles dão uma sinalização clara. Antes da pandemia, havia um indicativo de manutenção da taxa, mas o que aconteceu foi um novo corte para minimizar os efeitos da recessão", lembra.

De agora em diante, segundo ele, estabelece-se o clássico dilema da política econômica: o que fazer com a taxa de juros durante uma recessão com aceleração inflacionária? "Temos a opção de manter a taxa baixa em 2% ou cortá-la ainda mais, porque subir a Selic durante a recessão não dá", ressalta.

Mesmo com esse cenário e com a sinalização do Banco Central de manutenção da taxa, o boletim Focus, relatório da instituição que demonstra as expectativas do mercado financeiro, projeta gradual elevação da Selic entre 2021 e 2023, chegando a 6%.

"Ainda seria muito baixo para os nossos padrões históricos, mas iria triplicar em três anos. A ideia é que se terá mais crescimento econômico, uma inflação um pouco maior e, portanto, haveria alta da Selic", avalia.

Fim dos incentivos

Assim como as medidas fiscais emergenciais tomadas durante a pandemia para garantir a sobrevivência das famílias e empresas, Eleutério alerta que os incentivos da política monetária também terão que ser retirados eventualmente.

"Embora os cortes tenham os efeitos positivos que falamos, esse patamar é muito baixo para a nossa cultura financeira e econômica. Esse é um ano atípico e esses incentivos serão gradativamente retirados. A Selic vai voltar a subir. Resta ter destreza para continuar produzindo bons efeitos", observa.

Ele admite que reduzir esses estímulos irá impactar na renda dos brasileiros, no consumo, no custo do crédito, no investimento na produção, desacelerando a economia. "Mas isso tudo está sinalizado, é necessário encontrar um meio- termo".

Questionado sobre como fica o sentimento do mercado frente ao fim das facilidades, o conselheiro do Corecon aponta que o mercado reage melhor a uma situação fiscal mais equilibrada.

"O mercado é mais ortodoxo ao avaliar a economia, levando em conta classificação de risco, etc. Tanto o mercado financeiro doméstico quanto o internacional vão reagir bem à retirada dos estímulos monetários e fiscais, sobretudo os fiscais, que geram maior dívida pública", diz Eleutério, acrescentando que o Brasil deverá sofrer um tombo de 5% no Produto Interno Bruto deste ano.

Capital político

Para ele, outro ponto a ser levado em consideração é o capital político gerado pelas medidas emergenciais durante a pandemia. "Os estímulos criaram dividendos políticos. Se colocou dinheiro vivo na mão dos brasileiros que perderam renda na pandemia. Nós assistimos ao crescimento da popularidade do presidente apesar da grave crise sanitária e econômica. Daqui a pouco, teremos eleições novamente e tudo vai depender desse caldo temperado de economia e política", conclui, sugerindo mais um desdobramento sobre a economia do País.