Indústrias de embalagens do Ceará sofrem com falta de matéria-prima

Presidente da rede estadual do Ceará de Catadores, Maria Lilian Teixeira afirma que está faltando material reciclável nas associações por falta de destinação correta

A produção de embalagens – sacolas, caixas e afins – no Ceará está sendo afetada pela falta de matéria-prima e, consequentemente, a alta no preço desses insumos, segundo o Sindicato das Indústrias de Papel, Papelão, Celulose e Embalagens do Ceará (Sindiembalagens). Agentes da base dessa cadeia de produção foram impactados com a pandemia, alterando o resultado das indústrias.  

“Temos algumas empresas do nosso sindicato que compram aparas de papel que os catadores pegam na rua. Era um mercado normal, equilibrado. No ano passado, com o lockdown, as pessoas pararam de catar. Tem, aproximadamente, 615 catadores oficializados nas cooperativas do Ceará. Eles pararam e começaram a receber ajuda do governo, o material parou de ser recolhido e foi pro lixo”, contextualiza o presidente do Sindiembalagens, Hélio Perdigão.

A maior parte das empresas cearenses de embalagens usa matéria-prima reciclada. “90% do papel e quase 100% do plástico usado na indústria de embalagens é reciclado”, confirma o presidente do Sindiembalagens.   

Sem o trabalho dos catadores, o material reciclável deixou de ir para as cooperativas que, por sua vez, vendem para as indústrias, de onde se produz novamente papel e as embalagens.   

Crescimento da demanda  

O benefício do governo também gerou aumento do poder de compra, acentuando o desequilíbrio em relação à oferta e demanda.  

“Também o superaquecimento da economia, com o dinheiro que o governo deu, o pessoal de classes mais baixas aumentou o poder de compra”, expõe Ítalo Virgílio, diretor da Vaspel Indústria e Comércio de Papéis Ltda, empresa cearense.   

Para o empresário, a alta do dólar e o crescimento das compras online também ajudaram a gerar aumento no preço dos insumos, embora não sejam os principais fatores para este resultado. 

Influência do e-commerce

“A gente acostumou a comprar mais pela internet e quando compra pela internet vem dentro de embalagem e, consequentemente, a demanda de embalagem aumentou. E com a diminuição da matéria-prima aí ocasiona o que gente tá vendo hoje, preço 100% maior do que no começo do ano passado”, explica.  

"Com o aumento do dólar, creio que muitas empresas tenham substituído parte por papel reciclado (feito através de sucatas de papel) e pode ter ocasionado essa inflação de preços também. Mas o dólar não subiu tanto quanto o preço do papel reciclado. Creio que o grande problema tenha sido a falta de coleta de sucatas de papel nas ruas, com isso a procura foi maior que a oferta. Causando essa enorme variação de preço”, acrescenta. 

Rede de catadores nega que recebimento do auxílio tenha interferido

De acordo com a Secretaria Municipal da Conservação e Serviços Públicos (SCSP), 924 profissionais que atuam nas ruas recolhendo materiais, sendo 709 carroceiros e 215 catadores de recicláveis, receberam benefício da Prefeitura de Fortaleza devido à situação de calamidade pública decorrente da pandemia de Covid-19.  

A presidente da rede estadual do Ceará de Catadores, Maria Lilian Teixeira confirma que os trabalhadores pararam durante o lockdown, mas refuta a avaliação de que o período foi motivador da falta de matéria-prima.  

“Mesmo que tenha tido toda essa mudança no funcionamento de bares, restaurantes, hotéis, que também reduziu por causa disso, por outro lado, a gente fez mais coleta em mercantil e shopping. Condomínios não são fiscalizados pela prefeitura pra fazer a destinação correta dos resíduos. Então a gente não tem é doador e a matéria-prima tá indo toda pro lixão. Não é que tá faltando resíduo, ele não está sendo direcionado pras associações e nem colocado nas ruas da forma correta”, justifica Teixeira. 

Ela afirma que durante a pandemia a destinação dos resíduos piorou. 

“Estamos vivendo uma escassez de resíduo, mas não pela sua produção nem pelo seu consumo, porque pelo que a gente vê o consumo até aumentou, na área de alimentos teve muito aumento. A produção de papelão também aumentou. Em função da pandemia, o povo ficou mais assustado e piorou a destinação”, conclui. 

A presidente da associação também nega a relação do recebimento do auxílio com a falta dos materiais. 

“Nós temos catadores cadastrados que recebiam o auxílio e estão trabalhando. Está faltando material reciclável nas associações por falta de destinação. A gente tá se mobilizando para ir atrás de doadores. O que tem que fazer é uma conscientização pra que a sociedade faça a destinação correta.”   

Concorrência  

O presidente do Sindiembalagens afirma que é a primeira vez que o setor enfrenta falta de insumos no Ceará. “Minha empresa tem 40 anos de mercado e nunca vi um problema igual a esse, de faltar matéria-prima. Está uma demanda muito forte no Brasil inteiro e tá faltando papel e plástico”, reitera.     

Segundo Hélio Perdigão, a concorrência de outros Estados também agrava a situação.   

“Aconteceu isso em outros estados, principalmente na Bahia e Pernambuco, que estão mais próximos. Grandes indústrias lá passaram a vir comprar essas aparas no Ceará para levar para lá, porque as de lá não estão abastecendo suficientemente”, diz o presidente.   

Na semana passada, o sindicato esteve reunido com a Fiec e a Sefaz pra avaliar a situação das indústrias do setor. A principal demanda foi a atualização da pauta de preço da matéria-prima.   

“A pauta estava defasada e por isso as empresas de outras estados vinham buscar a matéria-prima aqui porque pagavam um imposto muito baixo. Para proteger as empresas locais, a gente quer apenas que a pauta seja atualizada para o valor de mercado. Porque aí você vai criar uma proteção para as empresas locais terem matéria-prima no Ceará”, frisa Perdigão.   

“Com o dólar alto, o Brasil, que é um grande produtor de celulose, ficou muito atrativo exportar celulose, as empresas começaram a exportar e começou a faltar no mercado. Essa cadeia é toda conectada”, salienta o presidente do Sindiembalagens.   

A expectativa do sindicato das indústrias cearenses é de que o setor volte a operar com o que eles avaliam como “normalidade” em até seis meses.   

“Em três ou, no máximo, seis meses o mercado volta ao normal. O Ceará sempre foi abastecido pelas próprias aparas, nunca teve problema. As empresas de embalagens sempre atenderam o mercado inteiro, nunca houve problema de desabastecimento. Foi um fato pontual, por causa da pandemia”, ressalta o presidente do Sindiembalagens.   

Prazos estendidos  

No cenário nacional, a Associação Brasileira de Embalagens em Papel (Empapel) não fala em falta de material, mas cita alargamento nos prazos de entrega.  

“Houve uma mudança em relação ao trabalho das cooperativas, catadores de papel e coleta seletiva em todo o país, no período que gerou uma diminuição entre 25% e 50% deste tipo de trabalho nas regiões brasileiras e consequente redução de embalagens pós consumo para reciclagem. Os catadores de papel ficaram sem trabalhar no começo da pandemia, situação que só se normalizou em maio”, diz a associação nacional.  

De acordo com a Empapel, o cenário gerou aumento de preço no País. “A redução de ofertas de aparas acabou gerando aumento de preço, desde a retomada, em função do alto consumo”, afirma. E os prazos de entrega foram estendidos.    

“Os prazos de entrega que costumavam ser de 7 a 30 dias, por conta do alto volume de vendas, estenderam para mais de 30 dias. A expectativa de normalização do setor é no segundo trimestre de 2021”, estima a associação.