Era início de outubro quando milhares de pessoas se enfileiravam ao redor do Ginásio Paulo Sarasate, em Fortaleza, com um objetivo: voltar a ter o nome limpo na praça. A ocasião retratou a realidade de 20,6% dos consumidores da Capital com dívidas em atraso, segundo a média anual apurada pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Ceará (Fecomércio-CE).
O dado está 1,7 ponto percentual abaixo da média do Nordeste (22,3%) e alerta para a necessidade de ter a educação financeira como estratégia para alcançar o desenvolvimento socioeconômico.
O furor do evento – 6º mutirão de renegociação de dívidas do Procon Fortaleza – muito diz sobre o perfil do endividado, na avaliação da presidente do Conselho Regional de Economia do Ceará (Corecon-CE), Izabel Colares. “O cearense é menos inadimplente do que o pessoal do Sul e Sudeste e só deixa de pagar as contas quando está desempregado. É lógico que existem as exceções, mas de um modo geral é um povo muito honesto”.
A Confederação Nacional do Comércio (CNC) atesta a descrição do consumidor cearense feita por Izabel ao demonstrar que proporção de famílias com dívidas em atraso no Nordeste é menor em relação ao Sul e Sudeste. A média na Região, até outubro, era de 22,3% e está abaixo dos 24% e 24,1% observadas nas outras duas regiões do País, respectivamente. Juntamente com o Centro-Oeste (22,3%), o Nordeste detém a menor média de famílias com dívidas em atraso.
O endividamento no Nordeste também é o menor do País (58,7%) e a proporção média de famílias que não terão condições de pagar as dívidas em atraso é de 8,7%, atrás apenas do Centro-Oeste (8,3%). Em Fortaleza, a inadimplência média atinge 8,9% da população.
O levantamento da CNC mostra que, além de o Nordeste ter os menores índices, há uma trajetória de redução nos últimos oito anos. Isso porque, em 2010, a Região dividia com o Norte o posto de maior média de famílias com dívidas em atraso (34,4%). O endividamento também era o maior do País (72,7%). O número de famílias que não tinham condições de pagar as dívidas chegava a 11,6%, de novo, a maior média.
Consciência
Para Izabel, os números mostram que o cearense vem incorporando o consumo consciente. “Na marra, nós estamos aprendendo a economizar, criando consciência”, diz, ponderando que ainda há muito a ser melhorado.
A pesquisa da Fecomércio-CE mostra, por exemplo, que em Fortaleza e Região Metropolitana, 79,8% dos consumidores afirmaram, em outubro, fazer orçamento e controle eficazes dos rendimentos e gastos. A proporção de consumidores que não terão condições financeiras de honrar seus compromissos, no entanto, cresceu 0,6 ponto percentual entre setembro e o mês passado, chegando a 9,1%.
“São pessoas que afirmam fazer orçamento, mas só enumeram as despesas fixas. Elas esquecem de anotar gastos como um lanche, um cineminha, a gorjetinha, o cafezinho depois do almoço. Quando se dá conta, 40% da receita foi para o ralo”, explica a presidente do Corecon-CE, detalhando ainda que outro erro cometido é “não saber o quanto entra de receita no mês”.
Além disso, Izabel Colares acredita que a falta de objetivos prejudica a manutenção de uma vida financeira equilibrada.
“Precisa aprender a dizer ‘não’. Existe um hábito terrível de pessoas emprestarem o cartão para a família, para amigos. Isso é loucura! Falta traçar objetivos de curto, médio e longo prazo. Outro problema é a preocupação com as aparências. As pessoas são facilmente seduzidas por isso”, avalia ainda a presidente do Corecon-CE.
Comportamento
A dificuldade em dizer “não” também é mencionada pelo professor doutor da Universidade Federal do Ceará (UFC) e pesquisador na área de finanças pessoais e comportamentais Érico Veras Marques. Ele aponta este fator como um dos problemas que levam às dívidas em atraso e à inadimplência. “Muitas vezes o descontrole é resultado de uma questão comportamental. Às vezes, a pessoa não consegue dizer não”, detalha.
Érico Veras Mares considera também que há os consumidores que ainda sofrem com o desemprego. “Muitos fizeram dívidas lá atrás e/ou perderam o emprego, ou trabalham com renda variável, e essa renda diminuiu muito”, lembra o professor da UFC e pesquisador na área.
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a desocupação atingia, no terceiro trimestre deste ano, 11,3% da população cearense, dado acima do trimestre anterior (10,9%) e do observado em igual período de 2018 (10,6%).
Aprendizado
Ele acredita que o expressivo volume de cearenses buscando renegociações para se livrar as dívidas em atraso mostra que o consumidor está “aprendendo pela dor, e o mercado também”. “Na hora que o mercado torna aquele consumidor adimplente de novo, ele vai poder voltar a comprar. A questão é negociar e conseguir mudar o hábito”.
Por isso, o professor doutor da UFC vê com esperança iniciativas que buscam prevenir o descontrole financeiro, a exemplo do ensino da educação financeira de forma obrigatória na escolas.
Outras iniciativas não-governamentais, encabeçadas por institutos e conselhos, também contribuem para um ambiente mais saudável. “Isso é muito interessante, porque trata o comportamento na raiz. Boa parte dos bons gestores de dinheiro nas famílias que a gente vê aprenderam isso na marra”, arremata Érico Veras Marques.