Lavrado em 6 de abril de 1982, o documento inscrito no cartório de registro de imóveis da 1ª zona, em Fortaleza, põe fim à versão de que o Edifício Andrea foi construído em 1994 e estivesse irregular, como a Prefeitura informou no dia do acidente. A empresa que fez a averbação do imóvel também difere do informado pelo Município, sendo a Imobiliária Alpha a responsável, e não a P&G Engenharia.
O documento, obtido em primeira mão pelo Sistema Verdes Mares, revela que cada um dos 13 apartamentos (2 para cada um dos seis andares e 1 para a cobertura) foi devidamente registrado com matrículas individuais, assim como o edifício. O regime de condomínio também foi definido no texto averbado pela Alpha.
Conforme o documento, cada apartamento possuía área privativa de 136,44 metros quadrados (m²) e uma área comum de 28,86m². Apenas a cobertura, que era o apartamento nº 701, tinha uma área privativa maior, de 172,20m² e uma área comum de 36,51m². A área total do terreno foi registrada com 681m².
A construção contou ainda com o financiamento do Banco do Ceará S/A (Bancesa), sob o aval do Banco Nacional da Habitação, de acordo com o documento. Ambas as instituições financeiras não estão mais ativas.
As movimentações de compra, venda e aluguel das unidades ao longo dos últimos 37 anos no qual o imóvel abrigou inúmeras famílias não são mapeadas pelo documento, que oficializa a existência do edifício Andrea em área nobre da capital. A localização, inclusive, é informada com detalhes: “situado nesta capital, no bairro Aldeota (hoje, Dionísio Torres), com frente para a Rua Tibúrcio Cavalcante, fazendo esquina com a rua denominada Tomaz Acioli, antiga Rua Estância, denominada particular, lado ímpar, e com fundos correspondentes para a Travessa Hilnete, lado par, constituído por parte da quadra ‘E’, da planta da Estância Castelo, devidamente aprovada pela P.M.F (Prefeitura Municipal de Fortaleza)”.
Já em 2006, o documento registrado no cartório da 1ª zona reafirma a localização do edifício Andrea, determinando os mesmos limites estabelecidos em 1982, atestando a oficialidade do prédio como próprio para habitação e passível de cobrança de impostos pelo fisco municipal.
Responsabilidade
Sobre a imobiliária responsável por lavrar e averbar o edifício Andrea no cartório de imóveis, sabe-se que a legislação atual não estabelece que nenhuma culpa pelo desabamento pode ser direcionada à Imobiliária Alpha.
“Existe uma responsabilidade civil da construtora que, geralmente, é de 20 anos. Mas prédios novos consideram, em sua construção, o clima do local onde as obras são feitas. Os edifícios atuais não vão ter esse problema, mas os antigos, de antes dos anos 2000, podem oferecer problemas, e o clima de Fortaleza é muito complicado, com muita umidade do ar por ser um município praiano. É assim em todas as cidades praianas”, analisa Julio Timerman, presidente do Instituto Brasileiro do Concreto (Ibracon). Sem esse alerta como prioridade das gestões do condomínio, o edifício Andrea foi habitado ao longo dos últimos 37 anos até a manhã da última terça-feira (15), quando a estrutura desmoronou por volta das 10h20. Foram abaixo todos os apartamentos, abalando as estruturas de edificações vizinhas e da população cearense.
Respostas
A ida de autoridades aos escombros aconteceu apenas no primeiro dia, quando parlamentares, o prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio, e o governador Camilo Santana estiveram no local. Informações sobre os documentos que mostram as inspeções e cobranças de impostos sobre o imóvel não são reveladas.
Ontem, confrontadas com o documento registrado no cartório, as secretarias das Finanças (Sefin) e de Arquitetura e Urbanismo (Seuma) não se manifestaram até o fechamento desta edição.
A execução da Lei de Inspeção predial é a principal cobrança sobre o Município, que continua sem revelar dados de fiscalização ou inscrição do edifício Andrea nos órgãos competentes para tal. A legislação existe desde 2016, mas houve seguidos adiamentos feitos pelo Município.
Multas de até R$ 10 mil são previstas para quem descumprir a lei, que consistem em quatro etapas: (1) contratar profissional que elabore laudo de vistoria técnica; (2) executar as obras; (3) protocolar os documentos para análise na Seuma; e (4) afixar o certificado de inspeção predial em local visível ao público.
A justificativa para o trabalho dos fiscais consta no site da própria Prefeitura: “A estrutura das edificações, assim como as instalações elétricas e hidráulicas sofrem desgaste. Em alguns casos, a deterioração é quase imperceptível, podendo causar incêndios e desabamentos”. Porém, o não cumprimento ainda acontece.