A família de Regiane Ribeiro, mais conhecida como Regia, passava por dificuldades financeiras quando ela começou a costurar para ajudar no sustento do casal e das filhas. Com o desemprego do esposo, ela passou a fazer consertos e a fabricar roupas sob medida, desde moda casual a vestidos de noiva. Atualmente, Regia conta com cinco colaboradores fixos, mas produzindo peças de um segmento totalmente diferente: o de fardas.
Moradora do distrito Lagoa do Teodósio, interior de Aracati, a empreendedora começou a receber pedidos de conserto incomuns, de fardamento da Itaueira Agropecuária, empresa de produções agropecuárias que possuía fazenda a cerca de dois quilômetros da residência de Regia.
“No início, era eu sozinha. Eu trabalhava em duas máquinas só, fazia vestido de noiva, de festa, roupa em geral, consertos. A Itaueira tinha muitos funcionários e começaram a vir pra cá para pedir pra eu consertar farda. Depois, eles pediram pra eu desenvolver um capuz de cabeça e ombro. Eu levei o projeto, eles aprovaram e aí já vão 13 anos”, lembra.
A partir dessa demanda específica, Regia se especializou em fardamentos e, assim, nasceu a Baring Confecção. O negócio é um dos exemplos de como a agroindústria cearense fomenta e impulsiona pequenos negócios locais, gerando um desenvolvimento econômico indireto que garante a renda e o sustento de centenas de famílias no Estado.
Sem experiência com empreendedorismo, a costureira passou cerca de dois anos fornecendo produtos apenas para a Itaueira. Depois desse período, abriu o leque de clientes para marmorarias, clínicas médicas, escolas, entre outros.
Além da própria fundadora, são colaboradores fixos da Baring o esposo, uma das filhas e uma irmã de Regia, além uma costureira e um profissional de corte. Eventualmente, quando a demanda está alta, ela contrata mais uma costureira e limpadora de peças, assim como um taxista para fazer a entrega das mercadorias.
Regia também revela que gostaria de estar com mais duas costureiras fixas, mas na região não há profissionais qualificadas. “Eu sempre esbarro na questão da mão de obra, porque não posso sobrecarregar as meninas. Nós compramos um terreno para construir nosso galpão com o dobro de máquinas que temos hoje. Mas antes eu preciso dar um curso de costura para as pessoas daqui, porque não tem mão de obra qualificada”, lamenta.
Dando preferência a investimentos com capital próprio, já que “isso aqui sustenta minha família e tenho que ter cuidado”, Regia detalha que estão comprando o material necessário para a obra e a previsão é que se mudem para o novo local a partir de julho. Apesar da cautela, ela não descarta a possibilidade de recorrer a linhas de crédito e até mesmo acredita que em algum momento irá precisar dessa opção.
O galpão contará com salão principal para as máquinas, uma sala para corte, escritório, vestiário, cozinha e refeitório.
Por ser um negócio local, a empreendedora quer dar preferência a trabalhadores que também moram na região e possuem pouco acesso a oportunidades de emprego.
A nossa maior intenção é puxar a comunidade pra crescer junto com a gente. Eu tenho essa visão de que se minha comunidade cresce, cresce todo mundo. A Itaueira é meio que nossa mãe, porque foi de onde partiu (a Baring). Eu acho que quem está lá nos escritórios não tem noção do quanto é importante (dar preferência a negócios locais), o quanto movimenta. Porque aqui (na Baring) a gente já movimenta, são seis pessoas vivendo disso aqui, fora pintor, cortador, taxista, vendedor”
Evidenciando a jornada de crescimento como empreendedora, Regia recorda quando ia a lojas de tecido em Fortaleza e quase não conseguia ser atendida por comprar poucas quantidades. Atualmente, ela conta que não precisa mais nem mesmo ir até às lojas, apenas liga para fazer os pedidos.
Além de ter atenção com a própria comunidade, a costureira se preocupa com o relacionamento que mantém com os próprios funcionários, garantindo que ele sempre seja leve e de confiança. “Aqui, na verdade, a gente não tem relação de patrão e empregado. Nós somos sócias, tudo aqui é dividido. É uma empresa só no nome, mas na verdade nós somos uma cooperativa”, afirma.
A preocupação se entende até mesmo a quem ela não conhece e vai vestir as roupas produzidas na Baring.
Cada peça que sai daqui tem uma importância que às vezes eu nem me toco. Por exemplo, eu nunca fui no Piauí, na Bahia, mas uma hora dessa tem um funcionário lá vestindo uma peça que a gente faz aqui dentro, que é importante para a proteção daquele funcionário. A gente pensa no conforto dele. Quando chamam a gente pra desenvolver uma peça, eu já penso se o tecido vai ser bom, se esquenta, se é confortável pra quem vai trabalhar de dia, de noite, no sol, dentro de galpão. Tudo isso a gente pensa e às vezes nem temos noção que no nosso dia a dia a gente está impactando a vida de alguém”
Garantia de escoamento
Além de atividades e negócios que crescem através da agroindústria, há também aquelas empresas que nascem visando janelas de oportunidade e para atender demandas em alta. É o caso da Relife Embalagens, fabricante de bandejas de ovos fundada em 2018 por Renan Albuquerque.
O cearense, que é delegado e exerce a função no Espírito Santo, conta que a ideia partiu inicialmente do pai dele e que, a partir do projeto inicial, procurou os diretores da Tijuca Alimentos para entender melhor o mercado. “Eles disseram que compravam bandeja de fora, de São Paulo, de Minas Gerais, e se tivesse alguma empresa do Ceará com qualidade e preço bom, comprariam dela. Isso me deu uma segurança, porque você pegar um valor desse e arriscar, é complicado”, afirma.
Para abrir o negócio, Renan precisou fazer um investimento inicial de R$ 2 milhões, entre capital próprio e recursos provenientes de diferentes financiamentos com instituições financeiras públicas e privadas, entre elas o Banco do Nordeste, Banco do Brasil e Itaú. Para ter acesso às linhas, as próprias máquinas adquiridas com recursos emprestados foram colocadas como garantia.
À época, a empresa funcionava apenas durante um turno com cinco funcionários, produzindo cerca de 6 mil bandejas por dia. Hoje, com dois turnos em operação e 20 colaboradores, a produção alcança 35 mil bandejas diariamente, valor que deve passar para 42 mil com a inauguração do terceiro turno de operação a partir de fevereiro e com a contratação de mais seis trabalhadores.
Em rápido ritmo de crescimento, Renan já faz planos para novas expansões. O delegado planeja ir a uma feira de máquinas na China em abril. Efetivando a compra de mais um maquinário, ele pretende instalar o novo equipamento em um local maior e transferir a estrutura já existente, que já está pequena para a produção.
Como eu nunca tinha atual nesse ramo e a preparação foi muito no dia a dia, na marra, o espaço que a gente planejou foi sendo ocupado de forma diferente. A máquina precisou ser expandida, a própria produção, tive que construir um forno. Então, já está apertado”
A Relife já possui cinco clientes expressivos, todos locais. Sobre a distribuição, o proprietário revela que apenas a Tijuca teria capacidade para consumir tudo, mas, como estratégia comercial, ele prefere não concentrar mais tudo em uma única empresa.
Aumento da produção e assistência
Mesmo quem já atuava no agronegócio e na produção agropecuária tem sido contemplado com impactos indiretos da agroindústria. A Betânia, hoje Alvoar Lácteos Nordeste, por exemplo, possui 1.396 produtores diretos, 4 cooperativas e 36 associações de produtores parceiros que fornecem leite para a produção dos itens da marca.
David Girão, diretor da política leiteira da Betânia e presidente do Instituto Luiz Girão, ressalta que a empresa " valoriza todos os elos da cadeia produtiva do leite, desde o produtor, fundamental para a nossa existência, aos demais fornecedores, colaboradores e varejistas".
Ele lembra que a jornada de um produto, desde o setor primário, até chegar à casa do consumidor é um longo, especialmente garantindo a qualidade e o custo-benefício do item, exingindo forte parceria em todos os pontos desse processo.
"Temos plena consciência da importância de cada um nessa jornada do campo à mesa e somos comprometidos em continuar levando prosperidade para nossos parceiros, gerando emprego, movimentando a economia e contribuindo para o crescimento da nossa Região e de toda a cadeia láctea do semiárido nordestino", afirma Girão.
Uma das associações parceiras é a Unidade Pecuária Iguatuense (Upeci). Fundada em 2009, a entidade nasceu para que os produtores conseguissem preços melhores na compra de insumos. Após acompanhamento do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), eles passaram a vender a produção em conjunto também para beneficiar o leite.
"A gente pensou em montar uma estrutura, chegamos a ir para outros estados para ver como funciona, mas isso tinha custos. Então, resolvemos vender. Conversamos com a Betânia, negociamos um preço e chegamos a um denominador comum", conta Mairton Palacio, diretor administrativo da Upeci.
Além de ter uma destinação garantida para a produção de todos os 35 associados, os produtores também passaram a se beneficiar da parceria, já que eles fazem a compra de insumos através da própria Betânia.
Com a garantia de compra do leite e as facilidades oferecidas pela empresa, a produção da Upeci passou de 5 mil litros de leite por dia na época da fundação da entidade para 17 mil litros diários atualmente.
Além da colaboração da Betânia para a compra de ração, os produtores da associação também recorrem a linhas de microcrédito para investir nas fazendas. Mairton detalha que vários produtores pegaram crédito com instituições como o Banco do Nordeste para comprar maquinário, entre eles ordenha, tratores, incrementos agrícolas, entre outros.
Sem a assistência da Betânia, com certeza não teríamos crescido tanto. A gente vê outros produtores que não conseguiram esse crescimento, em volume, qualidade do leite, do rebanho. Foram duas parcerias que fizeram a diferença no nosso grupo: com a Betânia e com o Sebrae"
Impacto indireto de atividade indireta
Outra atividade fortemente impulsionada pela agroindústria é a de logística, especialmente o transporte rodoviário, predominante no Ceará e no Brasil.
Daniel Rabelo Filho é proprietário da RR Rabelo Transporte e atua no segmento há 35 anos. Há alguns anos, ele viu a demanda passar de dois ou três carregamentos por semana, para quase diariamente, além do número de caminhões passar de três para quatro.
O que melhorou os negócios dele? A parceria com a Samaria Rações, fábrica de rações para camarões, peixes, equinos e frangos. Sendo a própria agroindústria uma atividade indireta correlacionada ao agro, esta, por sua vez, vem beneficiando dezenas de caminhoneiros parceiros, a exemplo de Rabelo.
"A minha demanda aumentou 100%. Quase todo dia eu carrego dois, três caminhões. E eles dão preferência pra mim quando o destino é na minha região. Sou de Morada Nova, então, costumo ir até Fortaleza levando leite da Betânia e volto pra Aracati, Morada Nova, Jaguaribe trazendo ração", explica o caminhoneiro.
Rabelo faz questão de enfatizar que, com a constante demanda, consegue ter veículos quitados e manter o patrimônio preservado, realizando troca de peças e pneus constante.