Com mais jovens, homens e canais digitais, venda direta passa por transformações; veja tendências

Série do Diário do Nordeste mostra como setor se reinventou ao longo de décadas, transformando os “revendedores da revistinha” em empreendedores antenados

Há cerca de 25 anos, a servidora pública Elizangela Paz esperava a revendedora passar em sua casa deixando a revistinha para que ela pudesse escolher produtos para abastecer a penteadeira e o armário de utensílios de cozinha. Hoje, o consumo desses itens por meio da venda direta continua fazendo parte de sua vida, mas o modo de comprar mudou.

O catálogo transcendeu as páginas físicas: pode ser enviado por WhatsApp ou consultado pela página de Instagram da empreendedora que faz as vendas. O tempo de algumas semanas até que o perfume, batom ou vasilha chegasse até a sua casa deu lugar a uma espera de poucas horas - às vezes nem isso - entre a compra e o momento de receber a mercadoria.

E é essa comodidade de receber o produto em casa - agora com mais rapidez, graças à evolução dos processos em linha com a transformação digital - que faz com que a servidora continue comprando do revendedor ou revendedora. “Eu gosto de comprar e receber em casa. E também é uma oportunidade de ajudar um revendedor, muitas vezes é um amigo ou uma amiga”, conta Elizangela.

E se a forma de consumir vem se transformando, logicamente o modo de vender acompanha esse movimento. Essas mudanças se traduzem em números de uma pesquisa encomendada pela Associação Brasileira de Venda Direta (ABEVD) à CVA Solutions e divulgada em julho deste ano: 76% dos empreendedores já recebem catálogos digitais, sendo que 56% preferem receber neste formato ao invés da versão impressa.

O WhatsApp (79,9%) e as redes sociais (71,3%) são os principais meios de divulgação dos produtos e serviços dentro do escopo da venda direta. Mas essas mudanças - que não são exatamente uma novidade - se tratam de apenas alguns dos vários marcadores de uma nova era nesse setor.

Loading...

 

O que vem mudando na venda direta:

  • Diversificação de produtos abarcados pelo setor: antes, era muito comum ver as revendedoras de cosméticos e utensílios para casa. Hoje, produtos para carros, itens agrícolas, suplementos alimentares e outros itens diversificam esse portfólio;
  • Mais homens entrando no setor justamente na esteira da diversificação de produtos abarcados pela venda direta;
  • O revendedor agora é empreendedor. Ele não se limita a passar de porta em porta com a revista. Ele envia pelo WhatsApp, divulga nas redes, faz eventos de demonstração e está cada vez mais estudando sobre técnicas de vendas e de uso das redes sociais e ferramentas online;
  • Além disso, o revendedor não se limita mais a uma só marca;
  • Os jovens estão cada vez mais no mundo da venda direta por ser considerada uma atividade de baixo custo e baixo risco;
  • O empreendedor da venda direta usa suas redes sociais para influenciar. Ele também usa, muitas vezes, a sua formação para ajudar nas vendas. Por exemplo: o João é um profissional ligado à saúde e atividade física e conhece muitas pessoas interessadas em produtos saudáveis. João utiliza seus conhecimentos para demonstrar e direcionar os seus produtos, vendendo de forma estratégica.

Mudança de perfil

A mesma pesquisa também mostra que a venda direta, historicamente estampada pela figura da dona de casa que via na revista uma maneira de complementar a renda da família, agora é atividade cada vez mais desempenhada por homens, jovens, digitalizados e que dedicam tempo integral ao ofício (63,5% dos empreendedores independentes dedicam tempo integral à atividade).

Apesar de não se dedicar em tempo integral à atividade, o cearense Glaydson Alves, 24, é um exemplo claro da mudança de perfil entre os adeptos da venda direta - e de uma maneira bem inusitada.

O jovem é motorista de aplicativo há sete meses e teve a ideia de aproveitar o tempo que passa com os passageiros durante o trajeto para oferecer um produto complementar à corrida: acessórios para pets.

Glaydson comprou R$ 1,2 mil em produtos - de brinquedos e comedouros a xampu e perfume - e colocou dentro do carro. Alguns desses produtos vão pendurados no retrovisor interno e no painel do veículo para chamar atenção do passageiro.

A pet store, que ganhou o nome Pet Xuxu, iniciou há cerca de um mês e, conforme o proprietário, vem fazendo mais sucesso que o esperado para tão pouco tempo.

“A minha esposa sempre trabalhou em pet shop e nós tivemos a ideia de trazer os acessórios para vender no carro. Muitas vezes o cliente está precisando de algo, mas não quer ir até a loja ou esquece. Então, todo dia eu tenho vendido algo, nem que seja um produto de R$ 5”.

Dentro do carro, Glaydson dispõe de produtos que custam até R$ 70, mas no portfólio da loja virtual especializada ele disponibiliza itens mais caros sob encomenda.

Tendo contato com até 70 pessoas diariamente e rodando todo o território de Fortaleza, o empreendedor vem se empenhando em apresentar o negócio e fazer relacionamento com os passageiros.

“As pessoas veem um monte de brinquedo e acessório dentro do carro e pergunta se eu tenho filhos. Tenho duas filhas de quatro patas e, a partir daí, começo a interação, pergunto se o passageiro tem algum bichinho e apresento os produtos, pego o contato. A pessoa pode até não comprar nada hoje, mas amanhã ela pode comprar”, pontua.

Criatividade para reduzir custos

Outro diferencial da Pet Xuxu são as entregas gratuitas. Os clientes que moram em Fortaleza e compram pelo WhatsApp podem receber o produto em casa sem pagar nada a mais pelo frete.

Mesmo sendo um negócio iniciante, Glaydson consegue oferecer essa condição especial pela própria natureza de sua atividade principal de motorista de aplicativo. Ele detalha que percorre o território da cidade inteira todos os dias, de forma que, quando estiver próximo da casa do cliente, aproveita a viagem para entregar o item adquirido.

“Junto com minha esposa eu tive essa visão empreendedora. As pessoas às vezes se limitam a uma coisa só e, quando não alcançam o resultado, desistem. O primeiro de tudo para ser empreendedor não é ter o dinheiro, é querer”, ressalta.

O sucesso da Pet Xuxu tem surpreendido tanto o proprietário que ele já sonha, no futuro, com uma loja física da pet store. Mas ele não vai deixar o modelo que deu origem ao negócio tão cedo, afinal, o que o fez optar por passar o dia levando pessoas de um lado para o outro da Capital cearense foi a paixão pelo volante e pela interação com público.

Conveniência e relacionamento

A presidente da ABEVD, Adriana Colloca, explica que a oportunidade de empreender com baixo custo e baixo risco tem ajudado a atrair o público jovem para a venda direta. Além disso, a diversificação do setor, que começou de forma massiva há décadas com os cosméticos, ajudou a atrair empreendedores do gênero masculino.

“O setor começou 100% com cosméticos e cuidados pessoais e hoje está mais diversificado. Hoje vemos, por exemplo, produtos para saúde, vitaminas, produtos para carros, itens agrícolas”.
Adriana Colloca
Presidente da ABEVD

Se por um lado as transformações digitais e estruturais carimbam novas tendências na venda direta, há palavras que atravessam gerações na atividade: conveniência e relacionamento. Quando aliadas às novas ferramentas de comunicação, há grandes chances de o empreendedor construir uma trajetória de sucesso.

“Acho que tudo hoje se resume a praticidade e conveniência. A gente precisa ter essas oportunidades de comprar com praticidade, com conveniência. É o que as pessoas procuram: o produto disponível ali no momento em que o consumidor quer comprar”, arremata a presidente da ABEVD.

Segmentos da venda direta

  • Produtos para saúde
  • Vitaminas
  • Produtos para carros
  • Itens agrícolas
  • Alimentos
  • Utensílios domésticos
  • Produtos de higiene pessoal