Intensificada nas últimas semanas, a disputa entre os ministérios do governo Bolsonaro pode comprometer o avanço de projetos econômicos e novos investimentos. Apesar de ressaltarem a relevância do teto de gastos, representantes do setor produtivo argumentam que o Nordeste, e o Ceará, deveriam receber mais recursos.
Um dos integrantes da comitiva de empresários cearenses que se reuniu com ministros na última terça-feira (11), em Brasília, o presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado do Ceará (Sinduscon-CE), Patriolino Dias, argumentou que o Estado deveria receber uma maior atenção da esfera federal como uma forma de combate à desigualdade.
"Existe sim uma desigualdade. O Nordeste deveria receber mais investimentos do Governo Federal, principalmente diante do que está sendo feito a outros estados. É equilibrar os gastos para se ter uma maior igualdade entre os entes federados. A representatividade da população do Ceará em relação à total do Brasil não corresponde ao mesmo percentual de participação do PIB. É combater esse desequilíbrio com investimentos", ressaltou Dias.
Apesar da cobrança, ele lembrou que as obras no Ceará mencionadas por eles no encontro com Paulo Guedes (Economia), Tarcísio Gomes de Freitas (Infraestrutura) e Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) já estão dentro do orçamento e, portanto, não seria um dos fatores responsáveis por um possível furo no teto de gastos. "Nossos pleitos não mudam em nada o cenário de despesas do Governo Federal. Fomos cobrar apenas a conclusão dessas obras em andamento e o cumprimento dos prazos propostos. O teto de gastos não pode ser mexido, então o Governo tem que ser prudente", pontuou, referindo-se à conclusão da rodovia 4º Anel Viário, a Ferrovia Transnordestina e a duplicação da BR-222.
Saneamento, segurança hídrica e questões relacionadas ao setor habitacional também foram pauta do encontro com os ministros.
Recursos extras
Resultante da reunião entre o presidente Jair Bolsonaro e ministros e parlamentares na quarta-feira (13), após a "debandada" de secretários do Ministério da Economia, o governo prepara uma medida provisória que abre crédito extraordinário de pelo menos R$ 5 bilhões para custear investimentos em infraestrutura e ações indicadas por parlamentares. A decisão é justificada pela necessidade de estimular a economia após a pandemia do novo coronavírus, elevando as despesas e ameaçando o teto de gastos tão defendido pela equipe econômica liderada por Paulo Guedes.
Do total de recursos extras, de R$ 1,5 bilhão a R$ 2 bilhões iriam para Ministério do Desenvolvimento Regional. A pasta de Tarcísio de Freitas também receberia R$ 2,5 bilhões a mais. Dias revelou que não tem conhecimento sobre a cifra extra e que, durante encontro com a comitiva cearense, os ministros não mencionaram os recursos.
Dilema
O diretor geral do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece), João Mário de França, explicou que, em situações que geram a necessidade do aumento de gastos, como a atual pandemia, o teto se torna um dilema para a equipe econômica.
Ele detalhou que o teto do Governo Federal inclui as despesas primárias correntes, composta pelos gastos com pessoal e Previdência, e os investimentos.
Uma vez que não se consegue reduzir os custos com os dois primeiros, corta-se drasticamente os investimentos para manter o teto sob controle. "Isso é um problema sério nesse processo de retomada, porque o setor privado responde de maneira lenta, elevando a importância de um maior volume de investimentos públicos para a economia voltar a aquecer", afirmou.
Jogo político
França destacou que o Ceará resolveu esse dilema retirando os investimentos do rol de despesas controladas pelo teto de gastos. "O problema de furar o teto é o reflexo na reputação. O mercado pode entender que o governo não está preocupado com a questão fiscal. Isso pode acarretar em uma subida de taxa de juros a longo prazo", lembrou.
O economista e conselheiro do Conselho Regional de Economia (Corecon-CE) Ricardo Eleutério alerta para o "jogo político" no qual as decisões econômicas estão envolvidas, uma vez que a escolha é entre aumentar gastos para dinamizar a economia, aumentando o déficit e a dívida pública, ou conter o desequilíbrio reduzindo o gasto público ao preço de aumentar a recessão.
"O Ministério da Infraestrutura tem investimentos em grandes obras. Um aumento dos gastos dinamizaria a economia, evitando que recessão seja maior. Por outro lado, a equipe do Paulo Guedes, estereótipo de equipe liberal, tenta manter o equilíbrio, que foi colocado de lado por causa da economia", compara.
Eleutério explica ainda que dos três instrumentos de política econômica que dispõe o Governo (monetária, cambial e fiscal), a última é a que está mais em jogo no embate entre os ministros. "É um esforço de conter o crescimento da dívida e do déficit. Quando veio a pandemia, a economia mergulhou em profunda recessão, e uma das formas de enfrentar é aumentar os gastos públicos", analisa, observando que o setor privado está com "pé no freio" e o investimento público seria a saída.
Renda Brasil
Pensado para substituir o Bolsa Família, o Renda Brasil também entra na disputa por recursos ao propor benefício maior que a média do Bolsa Família, de R$ 189,21. O diretor geral do Ipece avalia que a proposta poderá virar importante programa social, caso seja focado nos mais vulneráveis. "O auxílio emergencial de R$ 600 evidenciou que, apesar de ser muito importante, o Bolsa Família paga valores relativamente baixos".