Cartazes espalhados em postes de Fortaleza revelam uma prática ilegal recorrente: a agiotagem, ou seja, empréstimos feitos por pessoas físicas em troca de juros. A novidade agora é que os agiotas oferecem o pagamento parcelado em até 12 vezes no cartão de crédito, além do dinheiro na hora via Pix.
Os alvos são pessoas em situação de vulnerabilidade financeira e/ou com o nome negativado no mercado de crédito. A reportagem ligou para um número de telefone divulgado em faixa fixada num poste localizado na Av. Engenheiro Santana Júnior, no bairro Papicu.
Ao atender, um homem não se identificou e nem mencionou o nome de empresa, mas confirmou realizar empréstimos no cartão de crédito e sem nenhuma burocracia. Segundo ele, a transação é feita imediatamente via Pix.
Basta ter o meio de pagamento com o valor disponível, incluindo os juros. O atendente também disse haver a possibilidade de usar mais de um cartão para complementar toda quantia, podendo recorrer ao crédito de terceiros.
Na simulação solicitada pela reportagem, um empréstimo de R$ 5 mil precisaria de um limite disponível de R$ 6.299,40. Ou seja, a pessoa pagaria o total de R$ 1.299,40 de juros. Ficariam, portanto, 12 parcelas de R$ 524,95.
Não há limitação de valor para a prática. Questionado sobre como finalizar o empréstimo, o homem informou que poderia ir à casa da repórter para “passar o cartão”, comodidade que era “até mais segura”.
A agiotagem é a negociação de empréstimos ilegais oferecidos por pessoas físicas em troca de juros, que corresponde ao crime de usura na Lei nº 1.521, de 1951. Geralmente, a taxa cobrada é abusiva. A pena prevista é de seis meses a dois anos de detenção e multa.
O Diário do Nordeste denunciou o caso à Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Estado (SSPDS) e questionou se há ou haverá alguma investigação, mas não obteve resposta até a publicação desta matéria.
A pasta informou, porém, que a “a vítima de crime contra a economia popular que contraiu o empréstimo e se sentir explorada financeiramente pode procurar qualquer Delegacia para registrar o Boletim de Ocorrência (BO)”.
No último dia 9 de maio, a faixa foi vista pela reportagem. Na tarde dessa quinta-feira (18), contudo, não estava mais no local. Os relatos são de que o anúncio está espalhado em vários pontos da Cidade.
Como saber que o empréstimo no cartão é ilegal?
A advogada e membro da Comissão de Direito Bancário da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-CE), Mariangela Akemi Feitosa Abe, explica que a concessão de crédito no cartão até pode ser concedida, mas somente por empresas autorizadas pelo Banco Central (BC), como bancos e instituição financeiras.
“Tal prática se enquadra na agiotagem, pois não tem previsão legal e ainda fere diversas previsões jurídicas, formando um negócio jurídico inválido, frágil e inseguro”, observa.
“O que é uma desvantagem ao contratante, que, na maioria das vezes, está sensível diante de uma necessidade financeira, além da falta de informação. Isso pode levá-lo a um prejuízo ou até mesmo ser enganado diante de um contrato inseguro”, enfatiza.
Em nota, o Banco Central frisou que a concessão de crédito mediante simulação de transação de pagamento com cartão infringe a regulamentação aplicável aos arranjos de pagamento e às instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional.
“Além disso, esclarecemos que a prática, por empresa não autorizada pelo Banco Central do Brasil, e operações privativas de instituição financeira, previstas no artigo 17 da Lei n.º 4.595/1964, é ato ilícito administrativo e criminal. O tratamento dessas situações deve ser conduzido perante as autoridades policiais”, destacou.
O Diário do Nordeste solicitou informações à Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs) sobre a situação e aguarda reposta.
Como saber quando os juros são abusivos em um empréstimo?
Em relação ao limite de juros cobrados em operações de crédito, o Banco Central informou não haver norma do Conselho Monetário Nacional (CMN) e do órgão definindo limite da taxa de juros praticadas que os bancos podem cobrar em suas operações de crédito.
“As taxas são negociadas entre o cliente e o banco, exceto quando há uma norma específica, como acontece nas operações de crédito rural, de crédito imobiliário pelo Sistema Financeiro da Habitação (SFH) e de empréstimos consignados para beneficiários do INSS”, exemplificou.
No site, o órgão divulga a média das taxas de juros praticadas pelos bancos por tipo de operação. Os percentuais podem ser consultados para o consumidor para fazer uma comparação. “Vale dizer que, na prática, as taxas podem variar de cliente para cliente”, ponderou o Banco Central.
O BC também tem a “Calculadora do Cidadão”, permitindo o cálculo dos juros em transações. Para utilizar, acesse o link, selecione o tipo de operações e depois informar os valores propostos.
A advogada Mariangela Akemi Feitosa Abe acrescenta que O Supremo Tribunal Federal (STF) já criou regras de limitação de juros, mas, por fora do judiciário, não há regulamentação de limites.
Em caso de cobrança de juros abusivos, portanto, os contratantes podem recorrer à Justiça comum ou aos órgãos de defesa ao consumidor.