"Pior está quem tudo perdeu. Mas vão ter que fazer alguma coisa com quem também sofreu". Dona Sula, de 76 anos, não fala de si, mas dos vizinhos. "A família da frente, esse aqui do lado. O outro lá mais perto. Foram embora, porque o prédio que caiu comprometeu o deles". No instante em que o Edifício Andrea desabou, os moradores das casas e condomínios ao redor desceram.
Residente há 40 anos da Travessa Benjamim Torres, dona Sula correu até a Rua Coronel Alves Teixeira e lá ficou com todos os vizinhos, de 10h30 às 17 horas. Lúcia, a vizinha da frente, voltou para casa e viu poeira e rachaduras em várias partes. São marcas deixadas pelo Edifício Andrea em outras paredes. Lúcia deu graças por estar viva. Olhou para o desespero de quem perdeu parentes e calou-se, mas foi preciso dizer: "nosso problema é o menor de todos, mas não tem condições de a gente ficar em casa, e não dizem nada se vão fazer alguma coisa em relação a isso. Não só pra mim, mas pra quem precisou ir embora". Moradores da travessa, próximos à área dos destroços, precisaram ser removidos, pelo risco de desabamentos. Foram sete remoções.
Moradores de casas e apartamentos afetados pelo abalo gerado com o desabamento do Edifício Andrea aguardam providências sobre um novo lugar para morar. A Defesa Civil Municipal irá vistoriar as casas atingidas nesta semana
Na casa de Lúcia, a sala apresenta rachaduras no forro; na cozinha, no quarto, na lavanderia. "Essa casa aqui tá perdida", diz seu esposo (preferiu não revelar o nome). Quando o pior aconteceu, estava sentado no sofá da sala. De um lado, observando a TV, de outro, a neta de quatro anos sentada à mesa fazendo desenhos no caderno, que está no mesmo lugar, coberto de terra. A família está temporariamente distribuída na casa de parentes no bairro Messejana.
A autorização recebida para entrar de volta em casa se dá apenas para pegar os pertences mais importantes. Desde então, o que se vê são sacolas e caixas sendo retiradas nas mãos até o fim da rua. Outros objetos mais pesados ficam na casa de vizinhos que não precisaram ser retirados.
"O mais importante será sempre salvar vidas, isso ninguém discute. Mas se for pra demolir o lugar que a gente mora, precisam pelo menos colocar nós num canto", diz a moradora Suzete Almeida.
Os "vizinhos da tragédia" tentam adaptar-se aos dias fora de casa de forma silenciosa, diante do pior, mas encerradas as buscas por vítimas sob os destroços do Edifício Andrea, moradores ouvidos esperam por novas providências no entorno.
Uma das filhas de dona Lúcia é corretora de imóveis e toma a frente na preocupação, aguardando um pronunciamento "dos governantes" sobre esta etapa da tragédia.
Medo de 'sair do chão'
Sempre que volta para casa, Francisco Neto evita passar de carro por um trecho da Rua Joaquim Nabuco.
- Por aqui, não.
- Que foi, pai?
- Não tá vendo esse prédio ali todo rachado? Morro de medo de 'tá' passando e esse bicho cair por cima da gente.
A filha, que achava um absurdo o pai pensar assim, não esquece mais deste momento. O pai já é conhecido por nunca querer morar em prédio. "Não quero morar em nada que sai do chão", sempre diz.
Em seu medo, Neto não olhava para o Edifício Andrea, dois quarteirões distantes deste, e apenas um de sua casa. É outro prédio no Dionísio Torres que apresenta avarias.
Mas a família mora por trás do Mercadinho Bom Jesus, que foi atingido pelos destroços do desabamento da semana passada. A residência apresenta rachaduras, e não cabe mais moradia. "Nunca pensei que um prédio fosse desabar tão perto de minha casa".