Quem se desloca por Fortaleza sai de onde e vai para onde? Que tipo de transporte utiliza? Quanto tempo leva? As dúvidas para se construir mais planos de mobilidade urbana são muitas, mas algumas hipóteses já podem ser costuradas. Uma delas é que cerca de 33% dos deslocamentos totais na Capital são feitos a pé ou de bicicleta, no que se chama de "mobilidade ativa". Essa é a estimativa inicial do secretário-executivo da Secretaria Municipal de Conservação e Serviços Públicos (SCSP), Luiz Alberto Sabóia.
"Isso impõe uma necessidade muito grande de políticas públicas que resguardem o bem-estar dessas pessoas", afirma. As informações, ainda de caráter preliminar, são da Pesquisa Origem-Destino, que está sendo desenvolvida pela Prefeitura desde fevereiro deste ano. Até o momento, cerca de 70% dos 23 mil domicílios do escopo já foram visitados, principalmente nas Regionais III, IV e V.
Agora, o levantamento parte para bairros mais centrais. A previsão é que, até outubro, a coleta seja encerrada, mas ela depende do acolhimento dos pesquisadores, especialmente em condomínios. Já os resultados devem ser conhecidos somente no primeiro semestre de 2020.
Um fortalezense que põe em prática a mobilidade ativa é o estudante de Libras Fernando Eduardo, 16 anos. Ele percorre, diariamente, quase 2 km de casa, na Bela Vista, até a escola, na Parquelândia. O percurso dura de 15 a 20 minutos e cobre duas lacunas: a família não possui veículos próprios e não há linha de ônibus específica para o trajeto.
"Tem dias que eu gosto de ir a pé mesmo, porque tem muito o que ir pensando no caminho. Também consigo me deslocar bem mais rápido que meus amigos por já saber ruas que me proporcionam melhor locomoção", descreve. A outra forma de deslocamento utilizada por Fernando é o ônibus, mas só para locais mais distantes, como a Aldeota.
Bicicletas
Os resultados parciais também apontam que cerca de 84% dos ciclistas de Fortaleza utilizam a bicicleta para se locomover ao trabalho ou ao estudo, e 88% possuem renda que varia de um a dois salários mínimos. O esboço confirma pesquisas já realizadas pelo Bicicletar, sistema de bicicletas compartilhadas, que mostraram uso semelhante.
No entanto, para o engenheiro da Prefeitura, Victor Macêdo, a amostra do Bicicletar "era pequena porque as estações estão numa região mais central da cidade, e só pra quem usa; essa é de todas as pessoas da cidade", explica. Ele destaca que o dado desfaz o senso comum de que o modal é mais utilizado para lazer e esporte.
Dois porteiros que o digam. Com suor na testa, Aldo Xavier pedala todos os dias por cerca de uma hora, entre o Conjunto Ceará e a Beira-Mar, onde trabalha. No caminho, passa pela Avenida Domingos Olímpio, via vice-líder na Capital, com 2,8 mil pessoas trafegando em bikes todos os dias. No topo do ranking, fica a Avenida Bezerra de Menezes, com 3,8 mil.
"Se eu fosse andar de ônibus, ia demorar 2h30", esclarece, emendando os benefícios de que "o cara fica mais esperto e não fica tão ruim da saúde". No entanto, ele também enumera reclamações de quem usa a bike "pra tudo": "tem pessoal que deixa pra ligar a seta bem em cima da conversão, que entra na ciclofaixa, os que param nela?"
Confiabilidade
Antônio Raimundo é outro que já tem as manhas da experiência: chapéu e óculos escuros ajudam a enfrentar uma minimaratona entre o Jardim Jatobá e o Cocó. São 27 km percorridos, só na ida, em uma hora e 15 minutos. "Pelo menos, eu sei a hora que eu vou sair de casa. Se perdesse o ônibus, tinha que esperar outro por meia hora", conta.
Em alguns bairros, como a pesquisa mapeou, o uso das magrelas é intenso. Na Bela Vista e no Ellery, por exemplo, entre 10% e 16% dos percursos são feitos por ciclistas. "Basicamente, você tem que os ciclistas são pessoas de baixa renda, normalmente de regiões periféricas, que usam o modal para trabalho", resume Sabóia.
Segundo o gestor, a mobilidade urbana da Capital vinha se planejando de forma empírica ou atendendo a demandas espontâneas da população, como instalação de semáforos e alargamento de vias. Para se ter uma ideia, a última pesquisa do tipo ocorreu em 1996, e para dimensionar o uso do sistema metroviário. Com a nova, será possível agir com base em dados científicos e "altamente confiáveis".
"Pedestres e ciclistas são usuários vulneráveis e os que mais morrem no trânsito. Sabendo onde eles estão, podemos implantar, por exemplo, travessias de pedestres em nível elevado, semáforos para pedestres, mais ciclofaixas, áreas de retenção de motocicletas nos semáforos. Existe um conjunto de instrumentos e políticas com muito mais evidências", explica.
Patinetes
Outras análises do chamado Plano de Acessibilidade Sustentável de Fortaleza (Pasfor) incluem a contabilidade do acesso de veículos e pessoas da Região Metropolitana para a Capital; a movimentação de empresas de transporte de cargas e até os dados de GPS de aplicativos de viagens.
Pensar no futuro também implica na modernização de modais. Os patinetes elétricos já estão regulamentados na cidade - a ideia é que eles circulem na malha cicloviária por até 20 km/h -, mas a iniciativa privada ainda não avançou na discussão. O problema é que, segundo Luiz Alberto Sabóia, algumas empresas estão passando por um reordenamento após fecharem operações em outras cidades. "Tinham prometido que manifestariam interesse em setembro para em outubro instalarem. Até agora, não fizeram isso", diz, afirmando que o modelo, diferente do Bicicletar, não terá recursos públicos.
Por outro lado, as bicicletas elétricas podem ganhar aporte municipal - mas não há previsão específica para isso. "Nossa intenção é que, finalizada a licitação e instaladas as 210 estações do Bicicletar (hoje, são 80), a gente chame uma empresa para discutir um piloto de bicicleta elétrica. Ano que vem podemos ter isso sim", conclui o secretário-executivo.