Por medo de perseguição devido à raça, religião, nacionalidade ou posição política, milhares de pessoas saem do próprio país em direção a novos territórios. Nem mesmo o risco da pandemia da Covid-19 impediu que pelo menos 17 imigrantes buscassem abrigo no Ceará, desde março de 2020. O ano inteiro teve uma queda de 81% nas solicitações de refúgio no Estado.
Ao todo, foram 30 pedidos formais, de acordo com levantamento do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) tabulado pelo Diário do Nordeste. O número é cinco vezes menor que os 160 registrados em 2019, e 17 vezes menor que os 519 do ano atípico de 2018 - ano que viu uma grande chegada de venezuelanos ao Estado.
Segundo o relatório “Refúgio em Números”, do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), Fortaleza é o principal destino no Nordeste para residência de imigrantes e solicitantes de reconhecimento da condição de refugiado. Os demais são do Norte e do Sudeste.
Desde 2013, o Ceará vem tendo números crescentes de pedidos desse tipo. Até 2016, o predomínio de nacionalidades era de países africanos, sobretudo Guiné-Bissau, Nigéria e Congo, que historicamente enfrentam conflitos internos, tensões étnicas e religiosas e pobreza.
Porém, desde 2017, também há um incremento de venezuelanos. Em 2018, 62% das solicitações no Estado foram dessa nacionalidade. O aumento de pessoas deixando a Venezuela teve relação com o colapso econômico hiperinflacionário do país latino, resultando em miséria, fome, agravamento de doenças e violência.
Para a advogada Arnelle Rolim, integrante da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Ceará (OAB-CE) e pós-doutoranda em Direitos Sociais, os movimentos de refugiados são cíclicos, mas contínuos, em função de diversas dinâmicas geopolíticas.
A mobilidade humana sempre existiu, mas há aquelas voluntárias e as involuntárias. O refugiado é revestido de vulnerabilidades e não pode retornar ao seu país, então não pode ser confundido alguém que sai para tentar melhorar de vida. Tem que ver cada situação.
Segundo o Itamaraty, o estrangeiro que solicita refúgio no Brasil não pode ser deportado para fronteira de território onde sua vida ou liberdade estejam ameaçadas. Além disso, passa a ter direito à documentação relativa à sua condição migratória, acesso ao mercado de trabalho e a serviços públicos de saúde e educação.
O Dia Mundial do Refugiado foi lembrado no último domingo (20). Para Arnelle Rolim, somente a sensibilização e a educação podem descontruir discursos xenófobos contra estrangeiros, como o de que eles chegam ao Brasil para “tomar o que é meu” ou sob o pretexto de “ameaça à segurança nacional”.
Concessões de pedidos
Ao contrário dos requerimentos, as decisões sobre pedidos de reconhecimento da condição de refugiado andam a passos mais lentos. Segundo os dados do Conare, eles podem levar mais de cinco anos para serem analisados.
Entre 2016 e 2020, foram tomadas 170 decisões sobre pedidos registrados em Fortaleza. Das 78 decisões reconhecidas, mais da metade (46) foi por "grave e generalizada violação de direitos humanos", seguidas por opinião política (17), grupo social (5) e religião (2).
O restante foi indeferido ou extinto. Contudo, até novembro do ano passado, ainda havia 716 solicitações ativas no Ceará, ou seja, aguardando decisão do Conselho.
Acolhimento de venezuelanos
Em três anos de existência, a Operação Acolhida, do Governo Federal, já “interiorizou” mais de 53 mil refugiados e migrantes venezuelanos em 699 cidades brasileiras, de acordo com o MJSP. Destes, 334 foram integrados a 11 municípios cearenses:
- Fortaleza - 169
- Crato - 61
- Paraipaba - 33
- Eusébio - 25
- Juazeiro do Norte - 16
- Pacatuba - 16
- Caucaia - 6
- Sobral - 5
- Maracanaú - 3
- Marco - 3
- Icapuí - 2
Durante a pandemia, desde março de 2020, foram 176 acolhimentos; 50 só de janeiro a março de 2021. O painel do MJSP não dispõe de informações sobre outras nacionalidades.
As modalidades de interiorização praticadas no Ceará são a reunião social (48%), institucional (28%), vaga de emprego (18%) e reunificação familiar (6%). A maioria (79%) dos venezuelanos integrados têm menos de 40 anos de idade. Destes, 32% são crianças de até 14 anos de idade.
Com esses números, o Ceará é o 4º Estado do Nordeste com maior recebimento de venezuelanos, atrás de Pernambuco (775), Paraíba (766) e Bahia (760). Segundo o MJSP, a ação visa a evitar uma “sobrecarga dos serviços públicos nos estados”, principalmente Roraima, um dos principais fluxos de entrada no País.
Ações de apoio
Em 2020, o Programa Estadual de Atenção ao Migrante, Refugiado e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, da Secretaria da Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos do Ceará (SPS), atendeu a 1.390 migrantes internacionais, entre venezuelanos, colombianos, cubanos, haitianos, cabo-verdianos, guineenses e senegaleses.
Segundo a Pasta, os principais serviços realizados foram o encaminhamento de documentações, orientação sobre pendências com a Receita Federal e processos em tramitação no Ministério da Justiça.
No início deste mês, indígenas venezuelanos da etnia warao receberam o Protocolo de Refúgio e Autorização de Residência, documentos emitidos na parceria entre o Programa e a Delegacia de Migração, da Polícia Federal no Ceará.
“Os documentos são essenciais para migrantes internacionais terem assegurado o direito de acesso às redes socioassistenciais, e serviços de saúde, educação e cidadania estaduais e federais”, destaca a SPS.
No fim do ano passado, a Pasta também passou a ofertar cursos e estágios profissionalizantes do Primeiro Passo para jovens imigrantes residentes no Ceará. Em busca ativa, foram identificados 110 jovens, de ambos os sexos, estudantes do 1º ao 3º Ano do Ensino Médio, em escolas públicas estaduais.
Segundo a advogada Arnelle Rolim, as ações da SPS e da Pastoral do Migrante de Fortaleza, que opera como sociedade civil, revelam o comprometimento institucional com a pauta dos refugiados e imigrantes no Ceará.