De longe, o Mara Hope, tão imóvel quanto imponente, vigia. Mergulha na ternura dos beijos ao pôr do sol, sorri com a ousadia de quem se lança da Ponte Velha ao mar, faz pose aos que tentam transferir o encanto do cenário à foto. Não dá. É energia indizível, a do Poço da Draga, comunidade da Praia de Iracema que nada contra a maré histórica de invisibilidade e preconceito, e finca raízes de resistência há 112 anos.
As ruelas e becos seculares costuram o Poço e as lembranças de Chico da Rosa, 69, cujo real nome é tão incerto quanto as histórias de pescador que coleciona desde os 10 anos. O tempo de ir a alto mar passou e o azul anil do oceano antigo desbotou - mas o amor ao berço é atemporal. "Do País todo, aqui é o canto mais rico. Não tem coisa melhor do que todo dia tomar banho de piscina de graça", sorri, limpando do braço as escamas de quem é íntimo de peixe.
Tanto que se distanciar da orla quando teve a moradia desapropriada e foi movido ao bairro Conjunto Palmeiras, a cerca de 18km dali, foi mudança impossível de se adaptar. "O pescador só serve pra morar na beira do mar", sentencia, ilustrando uma resistência latente no peito de Luiz Augusto, 59 - que após 30 anos de Poço da Draga, migrou ao Palmeiras e não conseguiu mais voltar.
"Eu passava de semanas embarcado. Essa ponte ainda era inteira, eu pulava que só. Hoje não tenho mais coragem. Venho lá de casa só pra olhar o mar mesmo... Quando a gente gosta de um lugar, sente falta, né?", declara, afogando as ondas com o olhar saudoso e mirando o casco do navio que viu encalhar, em 1985.
Anos antes, no Natal de 1971, a aposentada Iolanda Pereira, 71, já aportava na comunidade, onde energia elétrica era luxo e água potável era sonho. Quase cinco décadas depois, a luta pelo básico persiste. "Precisamos de saneamento, educação pública melhor e emprego para os jovens - e que a sociedade veja isso aqui com respeito e sem medo".
O Poço da Draga é uma das Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis) de Fortaleza, com regulamentação prevista para 2019, e dos pontos que devem ser requalificados na região - intervenções mais temidas do que esperadas. "Botam olho grande aqui, porque é perto do Centro, e querem tirar várias famílias. Porque a gente, pobre, não dá lucro".