Mulheres que vivem em situação de rua e de vulnerabilidade social apresentam dificuldades financeiras para adquirir produtos necessários para a higiene pessoal nesse período. Pensando nisso, a publicitária Larissa Maia criou em novembro do ano passado a "Comunidade Sangue Nosso", que já doou mais de 1.300 kits com absorventes e produtos de higiene para mulheres nessas condições em Fortaleza.
"Esse momento da pandemia me fez refletir muito sobre isso. Eu, por exemplo, nunca precisei faltar a escola ou o trabalho por falta de absorvente. E a menstruação vem todo o mês, e quem está na rua acaba não tendo acesso ao absorvente, o que é muito pior. Essas pessoas acabam perdendo um pouco da dignidade", explica Larissa.
Somente no ano de 2021, já foram mais de mil doações realizadas em diversos pontos da Capital, como a Praça do Ferreira e Poço da Draga. Embora o kit venha com diversos itens como absorvente, creme dental e até mesmo calcinhas, a principal doação realizada pelo projeto, segundo os responsávies por ele, é o afeto. Conforme explica Larissa, todas as mulheres que recebem a "sacolinha", devolvem com um largo sorriso de agradecimento. Algumas, inclusive, aparentam surpresa ao ver o que tem dentro.
"Elas têm um sentimento de gratidão enorme. Todas que recebem o nosso saquinho, apesar da fragilidade, apesar da situação, sempre abrem o sorriso mais lindo que podem. E sempre agradecendo e dizendo estarem precisando daquilo".
Vidas além das ruas
Quando não tinha mais recursos para custear sua moradia, J. (nome abreviado para proteger a fonte) foi obrigada a devolver a casa e passar a morar nas ruas com seus filhos. Há seis meses, a mulher de 28 anos habita a Praça do Ferreira. Quando questionada sobre do que mais sente falta, ela afirma ser de espaço seguro.
"Sinto falta de um lugar para os meus filhos brincarem, e também de um ambiente melhor para podermos dormir tranquilamente, poder guardar nossas coisas... Nós temos que trabalhar de vigia o tempo inteiro, pois é muito arriscado sobreviver nas ruas", relata.
Quanto a questões relacionadas à obtenção de produtos de higiene, J. afirma que só consegue a partir do projeto Comunidade Sangue Nosso. "Poucas pessoas aparecem para oferecer produtos de higiene, e os kits que ela traz (Larissa Maia) são muito bons! Todas as mulheres aqui gostam", conclui.
A situação de vigilância constante também foi relatada por B. (nome abreviado para proteger a fonte), com 21 anos, a paraense veio para Fortaleza em busca de emprego. Após um período, ela ficou desempregada e teve que ir para as ruas. A jovem relata intensa saudade da família e de morar em uma casa, não apenas na questão material.
"Quando moramos numa casa, sabemos as datas certas, inclusive da menstruação, e temos como nos prevenir para esse período. Mas quando estamos na rua é muito diferente. Eu já tive dinheiro para comprar absorvente, eu tinha tudo isso, mas depois quando a dificuldade veio, eu não tive mais", explica.
Embora sua vida não seja fácil, B. afirma que não mudaria as escolhas que fez que a levaram para essa situação. "Isso daqui é uma experiência para mim: dormir e morar na rua. Às vezes, temos que passar por algo assim na vida, para aprendermos. Muitas vezes eu julguei as pessoas que moravam na rua, e agora me vejo nessa situação", explica.
Desmistificando a menstruação
Para além da função social de doação, a Comunidade Sangue Nosso também exercita a educação sexual das mulheres que são atingidas pela iniciativa. Quando Larissa pensou a comunidade, ela queria também "desmitificar essa palavra menstruação". A publicitária afirma que na sua criação, ela sempre teve acesso a esse tipo de informação.
Segundo ela, as mulheres em situação de rua acabavam usando pano ou miolo de pão para conter o ciclo, e que é mais fácil elas pedirem por comida do que por um absorvente, devido ao intenso tabu que a menstruação ainda sofre.
"A fome não para, mas a menstruação também não. Mas, infelizmente vivemos numa sociedade patriarcal, mas a menstruação é totalmente natural. E elas ainda se envergonham de dizer, 'eu tô menstruada'. Mas nosso projeto está tentando desmistificar isso, eu quero que essas mulheres se sintam vistas, mesmo com tantas dificuldades", finaliza.
O projeto
A Comunidade Sangue Nosso possui trabalho 100% voluntário. Todas as doações financeiras recebidas são utilizadas para as compras dos itens de higiene. Com distribuição semanal pelas ruas de Fortaleza. Os primeiros voluntários foram os amigos de Larissa Maia, com doações de empresas parceiras.
Atualmente a comunidade tem parcerias com várias instituições e organizações que também fazem doações para as pessoas em situações de rua e de vulnerabilidade social, como a Fundação Maria Edna do Ser Ponte, que faz aquela distribuição financeira pras comunidades, e também com líderes comunitários de alguns pontos de doação da Sangue Nosso.
Como ajudar o projeto
- Entrando em contato através do Instagram: @sanguenosso;
- Contribuindo com valores a partir de R$ 10,00 (dez reais), através de Pix, pela chave: umsanguenosso@gmail.com
- Através do telefone (85) 99104-3423.