A emergência da Covid-19 mobilizou cientistas do mundo todo na busca por tratamentos clínicos eficazes e pela esperada vacina imunizante. Mas, antes de serem aplicadas na prática, na resolução de problemas, as pesquisas científicas seguem um rigoroso - e, na maioria das vezes, longo processo de experimentações.
Pesquisas hoje renomadas internacionalmente e que ganharam corpo em instituições do Ceará enveredaram por vários caminhos antes de obterem reconhecimento.
Há 20 anos, o engenheiro de alimentos e pesquisador da Embrapa Agroindústria Tropical, Nedio Jair Wurlitzer, se dedica a realizar descobertas. No entanto, diferente do estudo da Covid-19, nem todos os experimentos podem ocorrer em tão pouco tempo. Para descobrir que o maracujá-alho apresenta propriedades que podem contribuir para o tratamento do mal de Parkinson - doença degenerativa que causa tremores e rigidez muscular -, a equipe dele demorou cerca de cinco anos. E isso apenas para concluir os achados iniciais.
"Muitas vezes, entramos em fila de espera. Às vezes, consideramos um período de seis meses a um ano para a aprovação do projeto, da ideia e dos recursos. Depois, tem a execução dos experimentos. No maracujá foi a questão do plantio, em que gastamos seis meses. A partir daí, tivemos um período de análises de seis meses a um ano. Depois testes de avaliações funcionais", remonta o pesquisador.
Além de depender da disponibilidade de estruturas laboratoriais, os estudos podem levar mais tempo porque algumas correções podem se fazer necessárias. "Se os resultados não são suficientes para alguma conclusão, voltamos a um novo planejamento e a uma nova execução, já com as modificações que consideramos adequadas. No maracujá, precisamos fazer três experimentos separados para conseguir chegar a respostas", diz Nedio.
O engenheiro de alimentos explica que, ainda assim, é preciso continuar o processo de aprendizado, pois os resultados foram promissores em animais, mas ainda não houve testes em humanos. Para isso, o método precisa ser ampliado e, depois, autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Segundo Nedio, há perspectivas de um novo projeto para dar continuidade à investigação.
Em 2020, os resultados foram publicados nos periódicos internacionais Food Research International e Journal of Functional Foods. O pesquisador afirma que cientistas da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) também demonstraram interesse no uso do maracujá e iniciaram novas explorações. Uma vitória, já que, para ele, os estudos devem ser compartilhados e retornarem à sociedade na forma de produtos.
Avanços
Foi o que ocorreu com o internacionalmente conhecido uso da pele de tilápia para tratar queimaduras, feridas e melhorar outros procedimentos regenerativos. Nos últimos seis anos, pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC), coordenados pelo médico Edmar Maciel, se dedicaram a aprimorar a aplicação do biomaterial, que em 2020 foi laureado em primeiro lugar no Prêmio Euro Inovação na Saúde, um dos maiores da medicina no Brasil.
"Isso é um reconhecimento para todo o nosso grupo de pesquisa. E é um orgulho muito grande estar desde o início, coordenar a pesquisa e essa equipe - e mostrar que é possível, sim, com seriedade e dedicação, fazer pesquisa no nosso País, no Nordeste e, principalmente, no Ceará", pontuou Maciel ao Sistema Verdes Mares.
A divulgação de resultados é essencial ao avanço científico, visto que é por meio dela que se torna possível a troca de informações e ideias entre pesquisadores para refinar o processo científico. Hoje, além do Ceará, os estudos são desenvolvidos em outros seis estados e mais sete países.
"Tomou uma dimensão muito grande. Já ganhamos 16 prêmios em primeiro lugar. Estamos desenvolvendo vários produtos, estudando em animais, para depois testar em humanos. O prêmio será investido nisso", explica o médico.
O curativo começou a ser aplicado em pacientes do Núcleo de Queimados do Instituto Doutor José Frota (IJF), em Fortaleza, em 2016. Ganhou tal escala que, em 2020, foi enviado ao Líbano para ajudar no tratamento das vítimas de uma explosão que deixou milhares de feridos em agosto.
No Pantanal matogrossense serviu para remediar animais atingidos pelas extensas queimadas ocorridas em outubro. Também se estuda a utilização dele no Sistema Único de Saúde (SUS).
Curiosidade
Outro estudo realizado no Ceará e que teve projeção internacional neste ano foi um artigo publicado no Covid Reference, site administrado por pesquisadores alemães com publicações sobre a pandemia de coronavírus.
O infectologista Keny Colares, professor da Universidade de Fortaleza e consultor da Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP), ajudou a descrever seis casos de profissionais de saúde que apresentaram recorrência dos sintomas da Covid-19.
Os cientistas tentam entender se o vírus ainda estava vivo no paciente e foi reativado; ou se ocorreu uma reinfecção, quando o paciente se infecta novamente por um vírus diferente do primeiro. Keny refletiu a necessidade de dar respostas ao momento pandêmico, depois de 13 anos trabalhando mais ativamente na investigação da dengue e do vírus HIV no Estado, movido pela curiosidade diante do novo.
"Em maio, começamos a receber pessoas dizendo que tinham sintomas da Covid-19 pela segunda vez. Para ser bem sincero, só na terceira comecei a dar mais atenção. Ninguém acreditava nessa possibilidade. Acho que fomos o primeiro grupo do Brasil a levar isso mais a sério e a catalogar esses casos. No mundo, só tinha um trabalho chinês detalhando isso", lembra.
Atualmente, os seis casos descritos no artigo saltaram para 12, e há outros notificados sendo apurados. No entanto, segundo o médico, só se pode falar de reinfecção se houver o sequenciamento genético nas duas infecções. Esse processo é dificultado pela ausência de determinadas tecnologias de biossegurança no Ceará, dispersão de amostras entre laboratórios públicos e privados e falta de financiamento mais expressivo.
Apesar dos desafios, o pesquisador busca se manter motivado e pensando no desenvolvimento científico proporcionado pelos trabalhos. "Temos a ideia de querer construir novas realidades, e quando obtemos certos resultados, certo reconhecimento, vamos se alimentando e mantendo a chama acesa", destaca.