Prevenir doenças e salvar vidas são objetivos das vacinas que, quando alcançados, atravessam gerações e trazem benefícios imensuráveis à coletividade. Mas, entre a ideia de que uma determinada tecnologia pode produzir um imunizante e o desenvolvimento, a testagem, o registro e a disponibilização do mesmo, em geral, o percurso é longo e difícil. Na pandemia de Covid, a ciência tem garantido vacinas em tempo mais curto, dada a gravidade da situação.
Mas, no Ceará, pesquisadores de instituições de ensino superior trabalham no desenvolvimento de imunizantes para diversas patologias. Devido a alguns entraves, elas ainda seguem em fases de estudos. Os experimentos mais antigos buscam proteção contra a dengue e o calazar. Os recentes incluem a Covid.
Para que uma vacina chegue à população e seja utilizada nos serviços de saúde, o processo demora. São estudos pré-clínicos e clínicos, estes com fases I, II e III, até a aprovação e registro sanitário, que no Brasil ocorre na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
No Ceará, pesquisadores explicam que o desenvolvimento desses estudos, além das próprias questões científicas e a disponibilidade de insumos, engloba também fatores como a burocracia e a ausência de verba para investimento. Isso interfere diretamente na velocidade dos processos.
Na Universidade Estadual do Ceará (Uece), no Laboratório de Biotecnologia e Biologia Molecular (LBBM) há, pelos menos, três projetos de produção de vacinas em curso. Todos têm a participação da professora do Programa de Doutorado em Biotecnologia da Rede Nordeste de Biotecnologia (Renorbio/Uece) e líder do Grupo de Pesquisa Inovação Biotecnológica em Saúde, Maria Izabel Florindo Guedes. O imunizante contra a dengue é a primeira vacina de origem vegetal - produzida à base de planta - contra a doença e é desenvolvido desde 2006.
Combate à dengue
Nas primeiras experiências da pesquisa, a planta Vigna unguiculata (popularmente conhecida como feijão de corda) é usada no procedimento para produção de antígenos para combater o vírus da dengue. Em termos gerais, os pesquisadores injetaram genes do vírus na planta, a qual desenvolveu as proteínas anticorpos capazes de gerar defesas do organismo. Os antígenos foram então isolados para serem aplicados em forma de vacina que poderá combater um dos graves problemas de saúde pública no Ceará, com epidemias frequentes.
"É um sistema de produção em vegetais. É uma vacina moderna. Naquela época, a gente tinha conseguido expressar as proteínas antígenos em planta, feijão de corda, e depois passamos para a nicotiana benthamiana, que é uma variedade de fumo. Hoje, nós produzimos, juntamos envelope dos quatro sorotipos de dengue e deu uma resposta muito boa em camundongos. Ou seja, a gente vai até à fase pré-clinica, mas a gente não tem condições de fazer uma quantidade maior para avançar para uma fase de teste em humanos, mandar relatório para a Anvisa", explica.
As limitações, relata a professora, estão atreladas à indisponibilidade de recursos. Outro experimento do laboratório, objeto de pesquisa há quatro anos, é a produção de proteínas recombinantes (com o uso de técnicas de engenharia genética) utilizando sistemas vegetais para a criação de uma vacina, e também o diagnóstico, da leishmaniose canina, conhecida popularmente como calazar.
Neste intervalo de tempo, pesquisadores da Uece trabalham para que a vacina terapêutica, feita a partir de um sistema vegetal, possa prosperar e ajude a combater uma patologia cujos efeitos são drásticos para os animais acometidos. Conforme a professora, teses de doutorado com pesquisas aplicadas, ao longo dos anos, vêm sendo produzidas na universidade sobre esse imunizante.
No entanto, essa vacina também ainda não chegou a ser testada em grande escala. "Nós produzimos as proteínas, testamos em camundongos também, tentamos uma parceria para conseguirmos cães doentes. Um aluno de doutorado está fazendo. Esta nessa situação", explica.
Covid-19
Na pandemia de Covid, outra pesquisa ganhou forma na Uece: o uso da vacina de coronavírus aviário (IBV) como modelo de imunização em mamíferos contra o novo coronavírus (SARS- CoV-2).
"Usamos outro coronavírus semelhante a este (novo coronavírus), mas que não causa doença para fazer a imunização", esclarece a pesquisadora Maria Izabel.
Nesse caso, a proposta é de utilizar em humanos o coronavírus aviário atenuado, isto, baseado na evidência de que os indivíduos que manipulam a referida vacina em avicultura, produziram anticorpos específicos contra o IBV. O experimento já passou por testes iniciais em camundongos que produziram anticorpos que neutralizaram a entrada do SARS-Cov-2.
A pesquisa é desenvolvida, segundo Izabel, desde o começo da pandemia em março de 2020, pois, um aluno da instituição, pesquisador e doutorando, Ney de Carvalho Almeida, já estudava um vírus semelhante ao novo coronavírus e decidiu testar.
"Faltam recursos para as pesquisas de vacina. No caso da vacina de Covid, estou aguardando edital para concorrer. Nossa vacina é muito promissora. Mas não avançou mais por falta de condições, avançamos na medida do possível", ressalta. De acordo com a professora, as vacinas da dengue e da Covid seriam as mais próximas da fase três - estudos clínicos, aquela na qual são feitos testes em humanos, e precede o registro junto à Anvisa.
Processo de testes
Na Universidade Federal do Ceará, desde 2016, segundo o infectologista, pesquisador da Faculdade de Medicina e coordenador do Núcleo de Medicina Tropical da UFC, Ivo Castelo Branco, há um trabalho relacionado ao desenvolvimento de um imunizante, com tecnologia totalmente brasileira, contra a dengue.
A vacina fabricada com "vírus vivo" atenuado dos quatro sorotipos da dengue é feita pelo Instituto Butantan, e o Núcleo da UFC é um dos 14 centros de pesquisa clínica do Brasil que integra os testes.
No Ceará, 1.300 voluntários, moradores de Fortaleza, participam da análise para comprovar a segurança e a eficácia da vacina. Eles são acompanhados por pesquisadores da UFC. O processo de desenvolvimento do imunizante está hoje na fase três. No país, explica Ivo, a vacina está sendo testada em 17 mil voluntários.
Nesse estudo, pesquisadores do Ceará atuam no acompanhamento do processo e no auxílio no esquema de testagem da substância.
"Pessoas receberam a vacina e estão sendo acompanhadas. No esquema do sorteio randomizado, dois tomam a vacina e um toma placebo. E a gente acompanha essas pessoas durante quatro anos, de qualquer reação que elas venham a ter. Temos equipes de plantão 24 horas para atender".
De acordo com o pesquisador, embora a liderança da pesquisa não seja da instituição, ser um dos centros de testagem credenciado no Brasil, faz o Ceará colaborar diretamente para a produção de um imunizante tão necessário, tendo em vista o alcance e prejuízo desta doença endêmica, há anos no estado.
Concluída a fase três de testes do imunizante, o Butantan deve fazer um pedido de registro à Anvisa. A projeção, conta o médico, é de que a vacina, que protege contra os quatro subtipos da doenças, seja liberada para a população até 2023.