A primeira pele que tocou Ana Teresa no mundo foi a do pai. Assim que veio à luz dentro da banheira de água morna, o mergulho da pequena foi nas mãos de Bruno Murilo, 30 - e delas, logo em seguida, no peito acolhedor da mãe. Já faz um mês, mas a professora Lílian Barreto, 30, não esquece de detalhe algum do dia em que teve a primogênita, e sob a realização do sonho de conhecer, na prática, o conceito de parto humanizado.
"No momento em que ela nasceu, foi o meu marido que a recebeu. Foi tão mágico! Ele pegou, colocou ela no meu colo, e aquele foi o momento mais feliz e mais completo da minha vida. Sempre foi uma vontade muito grande minha de ter parto normal, não precisar fazer cirurgia pra ter minha filha nos braços", emociona-se Lílian, cujo planejamento para concretizar a ideia aconteceu bem no início, desde a escolha da equipe médica.
"Foram 12 horas de trabalho de parto. Existia o medo da dor, porque foi minha primeira filha. Mas quando me dei conta de que estava cercada de amor, muito feliz e segura, sendo respeitada em todas as minhas decisões, me senti no comando", relembra a professora.
Planos
Ao contrário de Lílian, ser mãe não é novidade para a confeiteira Ivi Nogueira, 33, que já tem um filho de 7 e uma menina de 3 anos. Agora, às 27 semanas de gravidez, ela aguarda a chegada da nova integrante da família - a primeira que virá por parto normal. "O primeiro foi cesárea marcada. A segunda eu tentei, mas não tive apoio nenhum, nem de médico nem de ninguém, então não consegui. Agora, no terceiro parto, resolvi investir em médico, doula e todo o apoio possível", revela.
A diferença entre planejar um parto sob o conceito humanizado, para Ivi, é notável. "Dessa vez, vou ter um plano de parto, não tive isso nas outras. Antes, eu nem pensava em como seria, agora estamos estudando, vendo como funciona trabalho de parto, respiração, fazendo exercício para facilitar a posição do bebê".
Para a doula Liliane Furtado, a popularização do termo "parto humanizado" complicou uma definição que é simples: "é um conjunto de boas práticas que modificam o atendimento e o deixam apropriado, garantindo autonomia, acesso a uma medicina atualizada e baseada em evidências e, além de tudo, respeito à mulher durante o parto". Segundo ela, "isso faz diferença na recuperação física da mulher e até no desenvolvimento do bebê".
Outro ponto ressaltado pela doula, cuja função é "auxiliar a mulher a se preparar para o parto e muni-la de informação", é a necessidade de "desmistificar que parto humanizado é aquele 100% natural e dentro de uma banheira". "Se no decorrer do parto a paciente está precisando de uma indução, por exemplo, se faz isso em vez de partir pra uma cesariana. É um exemplo de prática humanizada", pontua.
A obstetra Trícia Jereissati reforça que "humanização é respeito e autonomia desde as pessoas que dão pitacos na gravidez até quem está no centro obstétrico", e que é preciso "resgatar o parto normal". "Somos um país campeão de cesárea, porque foi imposta uma cultura de naturalização dela. É preciso conversar com a mãe, esclarecer que dor não é sofrimento - é nascimento. E que ela deve parir da forma que achar melhor, seja em pé, de cócoras, na banheira ou no chuveiro", declara a médica.
Rede
Em Fortaleza, nove maternidades integram a Rede Cegonha - cinco municipais, três estaduais e uma federal -, baseadas no conceito de parto humanizado. São eles os Hospitais Distritais Gonzaga Mota (Gonzaguinhas de Messejana, Barra do Ceará e José Walter); o Nossa Senhora da Conceição, no Conjunto Ceará; o da Mulher, no Jóquei Clube; o Geral de Fortaleza (HGF), no Papicu; o César Cals e o Martiniano de Alencar, ambos no Centro; e a Maternidade Escola Assis Chateaubriand (Meac), no Rodolfo Teófilo.
A assessora técnica da Saúde da Mulher da Secretaria Municipal da Saúde (SMS), Léa Dias, explica que uma série de indicadores é analisada mensalmente, em cada unidade, para verificar se os objetivos estão adequados ao que preconiza o Ministério da Saúde. "Avaliamos o estímulo a posições verticalizadas que facilitem a saída do bebê, a deambulação, que é a gestante andar pela sala em trabalho de parto; o incentivo ao parto normal por parte de enfermeiro obstetra, entre outros. Quando não atingimos a meta, fazemos intervenções".
Segundo Léa, entre os indicadores mais positivos estão a garantia do contato pele a pele imediato do bebê com a mãe e a presença de acompanhante no momento do parto: cerca de 85% das mulheres contam com marido, esposa, familiar ou amigo ao dar à luz. Por outro lado, outros desafios se impõem.
"Temos dificuldades com a estrutura física das maternidades: a maioria é antiga e ainda não foi reformada, adaptada para o parto humanizado. Muitas vezes, falta vaga nas maternidades, e a mulher tem de ser transferida pra unidade que não foi a que ela visitou antes do parto. Há ainda a resistência de alguns profissionais, que precisam mudar a forma de trabalho", lista a assessora técnica.