Pároco na Igreja São Pedro e São Paulo, no bairro Quintino Cunha, em Fortaleza, o padre Gilvan Manuel da Silva, 40, perdeu quatro familiares em uma mesma semana devido às complicações da Covid-19. No último dia de março, o pai, Manoel Anísio, de 83 anos, e o irmão, Vicente Manoel, aos 52, foram os primeiros a falecer. Quatro dias depois, em 4 de abril, foi a vez de receber a notícia do óbito da mãe, Antonia Rosa (83).
No dia seguinte, a irmã, Rosa Maria da Silva (60), também não resistiu. Os pais e a irmã faleceram no Piauí e o irmão em São Paulo. Todos estavam internados. “O que está me sustentando é a fé”, revela o padre, ao mencionar as perdas.
Segundo o padre, o primeiro infectado foi o irmão, que mora em São Paulo. “Ele que ficou mais grave, foi intubado e faleceu. Outros dois irmãos também tiveram, mas de forma leve. Depois, já no Piauí, minha irmã pegou e, sucessivamente, o meu pai e a minha mãe. Os quadros clínicos deles foram iguais: muita falta de ar e necessidade de hospitalização. Nenhum tinha comorbidades”, pontua.
O pároco relembra que os familiares não chegaram a tomar a vacina devido ao processo lento em Piripiri, interior do Piauí, onde viviam. “Quando foi disponibilizado para a idade deles na cidade, eles já estavam internados”.
A morte abala as estruturas de qualquer pessoa, seja médico, padre. Já é humanamente sem resposta. Não há nada que preencha a falta daquela pessoa que se foi. Eu fico muito dividido entre o padre, o filho e o irmão, já que foram muitas perdas em um período curto e significativo que é a Semana Santa"
"Como sacerdote, hoje eu me sinto renovado pela igreja, pelas mensagens dos amigos, pelo consolo, e eu tenho percebido como isso é bom de receber, já que humanamente é muito difícil aceitar essa separação repentina”, declara o Padre Gilvan.
O sacerdote é natural de Piripiri, no Piauí, atua na Igreja São Pedro e São Paulo e faz parte de uma congregação missionária dos Padres Vicentinos. “Venho de uma família muito católica, tanto que decidi ser padre aos cinco anos e hoje estou aqui. Todos sempre me apoiaram. Em 2002, passei cinco anos em Fortaleza, um ano em Petrópolis, quatro anos em Belém e depois voltei para Piripiri para a ordenação”, conta.
Acompanhamento
Ainda quando soube do agravamento dos familiares, o sacerdote partiu de Fortaleza para a cidade natal no intuito de acompanhar de perto a evolução dos casos. “Acompanhei os três [pais e irmã] no Piauí, mas não pude ver o meu irmão em São Paulo. Fui ao hospital, cheguei a dar a extrema unção aos meus pais, acompanhei os boletins, liberei os corpos no necrotério e tudo isso fiz pensando no que eu ensinava para o povo de Deus como padre”, diz.
O sacerdote lembra que, no início da pandemia, celebrava missas na intenção das vítimas, ajudava os mais necessitados, mas nunca imaginou passar por esta situação após um ano.
“Ao mesmo tempo que eu queria me tornar frágil com as notícias de agravamento do estado de saúde dos quatro, eu me fortalecia naquilo que eu acredito como padre: Jesus está no meio de nós, mesmo nesses tempos caóticos. Eu rezava e transmitia, da sala de casa, o terço e pedia, pela fé, que todo sofrimento fosse passageiro. E eu acredito nisso”.
“Já éramos unidos pelo amor, agora estamos pela dor”
Gilvan vem de uma família de 12 irmãos “muito ligados”, como definiu. Na pandemia, os laços se estreitaram e a comunicação virtual prevaleceu. “A gente evitava qualquer proximidade, mesmo quando era preciso ver alguém. Depois de toda a perda, nós ficamos ainda mais unidos. Antes, já éramos unidos pelo amor, agora estamos pela dor”, coloca.
“Nós estamos conversando bem mais uns com os outros, ligamos diariamente, nos consolamos, estamos vivendo o processo das missas de sétimo dia, rezamos e choramos todos os dias juntos. A família se uniu mais profundamente e lembramos, em oração, sempre das outras famílias, aquelas que perderam os seus e não têm mais parentes ou um irmão que console. Estamos tentando tirar o belo daquilo que foi uma tragédia”.