Local emblemático da capital cearense, a Praia de Iracema se torna visita obrigatória para fortalezenses e turistas pelos seus encantos naturais. No entanto, para além da vista à beira-mar e do cotidiano da superfície, a vida marinha da região pode passar despercebida na reflexão dos frequentadores. O que será que existe embaixo d'água?
Assim como todo o litoral do Estado, as águas de Iracema são uma rica fonte ambiental e de pesquisa, sendo possível encontrar diversas espécies da fauna e flora subaquática. Por isso, intervenções como o novo aterro, que terá 1,2 quilômetro no trecho de praia entre o Espigão da Rui Barbosa e a Avenida Desembargador Moreira, preocupam ambientalistas, ativistas e mergulhadores locais acerca da preservação das espécies.
A obra do novo aterro da Praia de Iracema pretende aumentar em mais 40 metros, mar adentro, a faixa de areia atual. Ao fim da engorda, no total, serão 80 metros de areia, com 81 mil m². Para isso, serão colocados em torno de um milhão de metros cúbicos (m³) de areia no mar.
De acordo com o doutor em Geociências e professor do Instituto de Ciências do Mar (Labomar), da Universidade Federal do Ceará (UFC), com pesquisas em Oceanografia ambiental, Marcelo Soares, da forma como está proposto, o planejamento da intervenção prejudica gravemente a vida marinha. "Vai gerar impactos ambientais negativos e irreversíveis de grande magnitude, com implicação para o turismo de mergulho e o soterramento de recifes de corais e espécies ameaçadas de extinção, além do impacto para pescadores artesanais", declara.
O professor explica que os recifes de corais possuem vários "serviços ambientais", como a proteção contra erosão e a função de maternidade (sendo o ambiente de reprodução de espécies).
"Quando soterrado, ele é exterminado, e isso não tem sentido. É um gravíssimo impacto que não foi visto nos estudos ambientais durante a concessão da licença ambiental (do aterro)", critica Marcelo.
O documento de estudo do impacto ambiental da obra, datado de 2009, conclui que as consequências das intervenções para revitalização da Praia de Iracema "apontam para um saldo positivo em relação ao meio ambiente".
O relatório apresenta o resultado de 464 impactos identificados, classificando 57,76% como benéficos e 42,24% como adversos ou potencialmente adversos. Apesar do reconhecimento e classificação da fauna e da flora regional, o levantamento não cita alternativas tecnológicas ou de localização para preservar essas espécies, segundo Marcelo Soares. "Quais são as ações que vão ser feitas durante a obra que vão salvaguardar isso? Não é claro", questiona.
A preocupação é compartilhada também pelo Instituto Verdeluz que, junto a mais dez organizações de proteção ambiental, está protestando contra a construção do aterro. Ícaro Ben Hur diz que outros problemas estão relacionados ao soterramento do lixo acumulado e à partida dos peixes, deixando o habitat das tartarugas e do boto-cinza sem alimentação.
Estudo
A Secretaria Municipal da Infraestrutura (Seinf) informou que toda a obra da Beira-Mar, incluindo o novo aterro, está em dia com as licenças e autorizações dos órgãos competentes. De acordo com a instituição, o Relatório de Impacto Ambiental, realizado por profissionais da Universidade Estadual do Ceará, refletiu as conclusões do Estudo de Impacto Ambiental e indicou ações mitigadoras, isto é, medidas que visem à redução ou eliminação dos impactos negativos do empreendimento.
A Pasta afirma que a análise teve o objetivo de dar mais subsídios ambientais para a implementação das obras de recuperação da Praia de Iracema, seguindo exigências da Secretaria de Meio Ambiente e Controle Urbano.
Transgressões
O documento, conforme a Seinf, atesta que "não se encontram transgressões à legislação ambiental vigente. Neste tipo de projeto, a implementação das obras de engenharia está associada à geração de uma série de impactos adversos sobre o meio ambiente, contudo, na sua maioria são de caráter local e podem ser mitigados e monitorados através da incorporação das medidas de recuperação e controle ambiental por parte dos responsáveis".
Ambientes
De acordo com o professor do Labomar, no ambiente marítimo da Praia de Iracema existem dois tipos de ambientes: arenosos e rochosos. Na areia, há presença de moluscos, crustáceos, poliquetas, equinodermos (estrelas e bolachas de praia), arraias e também de peixes que usam esse ambiente. Já nas rochas estão espécimes de recifes de corais, servindo de habitat para esponjas, peixes, arraias, tartarugas e o boto-cinza.
O golfinho, listado no Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção como vulnerável, é patrimônio natural de Fortaleza desde 2012. Assim como o mamífero, outras espécies de animais que fazem parte do local também estão ameaçadas de extinção, como a tartaruga-verde, que se alimenta na região.
A situação de alerta chama atenção e demanda esforços de organizações e ativistas ambientais, que agem continuamente para preservação da praia. "A vida marinha é de suma importância, pois está intrinsecamente ligada ao ecossistema presente no local, que constantemente é atingindo pelo descarte indevido de esgoto, poluição de resíduos sólidos e outros problemas relacionados à alta urbanização", declara o estudante de oceanografia e atuante no Instituto Verdeluz, Ícaro Ben Hur.