Medos do fortalezense vão da fome à traição

A reportagem foi às ruas para descobrir o que assusta as pessoas na véspera do Halloween

Amanhã é noite de Halloween. Data importada do estrangeiro, onde a tradição e o marketing criaram personagens tenebrosos lembrados até hoje em livros, filmes e propagandas, como vampiros, lobisomens, ogros e fantasmas. Monstros que, desde cedo, povoam a imaginação dos pequenos. Como a criatura-espantalho do filme Olhos Famintos, que, por muito tempo, assombrou minhas madrugadas. Tinha medo de tatear o interruptor, no escuro, e acabar tocando nas mãos mortas do monstro. Tinha medo das sombras que ondulavam no teto, possíveis reflexos das asas da criatura.

Além disso, tinha medo de me afogar, de ser atropelado, de morrer. Medo da morte, condição repensada no Dia de Finados, nessa quinta-feira (2). E o que seria a morte senão uma forma de nos levar a refletir sobre o que é viver? A ideia da nossa finitude é perturbadora. Seria por isso que não se fala dela? Que, ao invés disso, se tente evitá-la ao máximo, numa fuga incansável pela juventude? A morte pode ser natural, mas não é tratada como tal - é negada, inclusive, pelos zumbis "mortos-vivos" que incrementam as bilheterias dos estúdios de cinema.

Seja da morte ou não, o ser humano guarda medos. E quantos deles podem se esconder no Beco da Poeira, no coração de Fortaleza, onde milhares de pessoas passam todos os dias? Numa primeira investida, bate-pronto, a comerciante Zilma Vicente, 58, diz não ter medo de nada. Mas, ao recordar a infância em Itapipoca, a 130Km da Capital, reencontra um motivo de pavor. "Não posso ver cobra. Quando era criança e a gente plantava e catava feijão, vivia pegando naquelas cobras-de-cipó. Hoje, só de ver na televisão, eu já fico assustada", conta.

Noutra "rua" do equipamento, as seis décadas de Dária Paiva fizeram-na acumular uma miríade de medos. Alguns, como o de caixões - motivo de pesadelos e noites insones curado com a ajuda de um agente funerário -, já passaram. "Eu me via naquele caixão, ou via alguém da minha família. Era pânico de gelar as mãos. Quando você tem medo, aquilo te atrai", reflete. Outros, como os da fome, da guerra, de assaltos, de terremotos e de deixar os netos desamparados, permanecem vivos. "São medos de mãe...", justifica.

Mas há também os medos de pai. Jovem, aos 23 anos, Júnior Vidal tenta não se arriscar nas atividades cotidianas por temer deixar a filha, de três anos, sem amparo financeiro e emocional. Outro anseio, que começa com formigações no corpo, é o de altura: não gosta nem de pisar em parque de diversões por causa dos grandes brinquedos de metal.

Para Jurema Barros Dantas, coordenadora do Laboratório de Estudos em Psicoterapia, Fenomenologia e Sociedade da Universidade Federal do Ceará (Lapfes/UFC), o medo é um estado afetivo emocional importante aos processos de adaptação e resposta do organismo como um todo. "Ele é necessário à nossa sobrevivência e, por isso, não deve ser visto como doença. O medo nos possibilita reagir, reinventar e repensar a nós mesmos e o mundo que nos circunda. Ele nos coloca em um estado de atenção diante daquilo que nos vem ao encontro", explica.

Receios

Porém, nem todo medo é físico. A microempresária Elenir Neves Sampaio, 51, confessa ter medo da inveja e da covardia. Tudo em virtude de intrigas que envolveram uma colega de trabalho que a levaram, inclusive, a recorrentes consultas com uma psicóloga e ao uso de antidepressivos.

"Tinha dia que eu não queria nem vir trabalhar, ou então começava a suar", relata. Mas ela prefere mesmo é enfrentar os próprios medos, não se faz refém deles. Assim, já superou o medo de aviões e, agora, quer vencer o medo de subir em escadas rolantes. "É tudo coisa daqui", bate nas têmporas.

Ensolarada e tropical, diferente dos sombrios cenários de terror, a Avenida Beira-Mar também guarda diversos medos. Os do menino Lucas, 8, refletem a idade: bruxas e alienígenas. Os da mãe, a representante comercial Lena Oliveira, 48, também: a traição. "Mas eu saberia sair bem da situação, se fosse o caso. Não ia sofrer por isso, não", confessa.

Mas a morte ainda é o medo que mais intriga as pessoas. Pelo menos, é assim para a garçonete Cíntia Carla, 39. O receio adolescente de não ter estabilidade financeira já foi vencido - "mais ou menos, né?"-, mas, o de perder os pais, não. "Do desemprego a gente também fica receosa, mas tem que enfrentar a realidade. Se for pra viver com medo... Tem que meter as caras", afirma.

O fim repentino também é o medo do auxiliar de serviços gerais Vandemberg Mota, 34. Não um de forma natural, mas um violento, por conta da insegurança e da violência que as cidades cearenses vivenciam. Segundo a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), de janeiro a setembro deste ano, 3.695 pessoas foram assassinadas no Ceará, uma média de 13 por dia.

Fobias

"Você anda por aí e qualquer pessoa é suspeita. Tenho medo de uma bala perdida, no meio de uma troca de tiros dos bandidos com policiais. Você não sabe se vai voltar para casa vivo ou num caixão", diz Vandemberg.

E, por falar em segurança pública, o senso comum nos leva a pensar que os profissionais da área são sempre destemidos e audazes. Mas, por baixo do colete e da farda, todos somos carne, osso, dúvidas e receios. O guarda-vidas Armando Alves, por exemplo, tinha medo de altura, condição destruída após a escolha da profissão e de uma intensa rotina de treinamentos de risco. Além disso, algo que ainda o intriga são os sonhos com uma invasão de escorpiões em sua cama.

"O medo é inerente ao ser humano. Às vezes, para superá-los, a gente tem que se apegar ao lado espiritual. Quando você consegue equilibrar as forças, vive melhor". A análise é de um policial militar que preferiu não se identificar por estar de serviço na orla da Capital. "Mas, de tudo que vier, Deus está no controle. Temos que ter fé a cada nova ocorrência que chega pelo rádio".

"Podemos cotidianamente nos fragilizar e sentir medo diante do novo, daquilo que nos escapa ou não atende ao esperado sem que isso indique, necessariamente, doença ou transtorno psicopatológico", afirma Jurema Dantas. Segundo a psicóloga, quando nos envolvemos numa situação em que o medo é intenso e, por vezes, descontrolado, ficamos diante de quadros fóbicos que costumam acarretar grande sofrimento e agonia. Nesses casos, o cuidado em saúde mental requer uma equipe multiprofissional.

Saiba mais

Agorafobia: medo de espaços abertos ou com multidões

Acrofobia: medo de altura

Aracnofobia: medo de aranhas

Catastrofobia: medo de catástrofes e aspectos ambientais

Escalafobia

Escalafobia: medo de escadas rolantes

Claustrofobia: medo de lugares fechados

Coulrofobia: medo de palhaços

Ergofobia: medo de trabalhar ou de não se manter empregado

Monofobia

Monofobia: medo de ficar sozinho

Fobofobia: medo de sentir medo

Glossofobia: medo de falar em público

Hematofobia: medo de sangue, injeções e feridas

Zoofobia

Zoofobia: medo de animais

Nictofobia: medo da noite ou do escuro

Pantofobia: medo de todas as coisas

Tanatofobia: medo da morte

Artigo

Temor pode gerar quadros de ansiedade

Juliana Bezerra e Andrea Pontes, colaboradoras do Núcleo de Transtornos Ansiosos (Nuta) do Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto (HSM)

O medo é uma resposta adaptativa esperada a circunstâncias de perigo ou ameaça à segurança do indivíduo. Ele funciona como um alarme que alerta sobre a necessidade de ações de defesa e de autoproteção. Já ansiedade é um estado mais permanente de apreensão emocional provocada pelo medo e por outros fatores como: dificuldade em tolerar situações incertas, incontroláveis e imprevisíveis.

Quando estamos diante de algum perigo ou risco iminente, ativamos uma série de reações fisiológicas, emocionais, cognitivas e comportamentais que são frequentemente percebidas como desagradáveis àquele que as experimentam. Estas sensações nos colocam em estado de alerta a tudo aquilo que consideramos como perigoso, ameaçador e contrário aos nossos desejos, de forma que possamos nos preparar para enfrentá-las, evitá-las ou diminuir suas consequências.

E quando a ansiedade e o medo diante de situações cotidianas deixam de ser normais e adaptativos e passam a trazer prejuízos significativos e sofrimento? De um modo geral, quando interpretamos de forma errônea situações não ameaçadoras, desenvolvendo reações exageradas e desproporcionais frente a estímulos que não ofereçam perigo potencial. Estados de ansiedade patológica se caracterizam por pensamentos negativos e catastróficos e por comportamentos disfuncionais que tendem a causar prejuízos marcados em diversos níveis da vida e são fatores de risco para desenvolvimento de diversas doenças clínicas e psiquiátricas (doenças cardiovasculares, distúrbios do sono, depressão, dependência química, etc).

Precisamos reconhecer quando a ansiedade passa a provocar prejuízos de modo a reconhecer que há alternativas eficazes. A maioria dos pacientes, quando adequadamente tratada com medicamentos e/ou psicoterapia, apresenta melhora significativa da qualidade de vida e redução dos sintomas ansiosos.