Maria de Lurdes, a 1ª cacique de uma tribo indígena no CE

Cacique Pequena – na identidade da vida, da Tribo Jenipapo-Kanindé, de Aquiraz.

“Eu neguei a escolha do meu povo por três vezes”. “Eu tive que ouvi de outros caciques que mulher só serve para cama e beira de fogão”. “Eu tive que tomar um goró verde, que nem sabia o que era, para provar que tinha capacidade de estar ali entre aqueles 39 caciques homens”. Os relatos são de experiências vivenciadas em 1995, quando o Ceará registrou a escolha da primeira mulher como cacique de uma tribo indígena.

Maria de Lurdes da Conceição Alves – por nome de batismo – e Cacique Pequena – na identidade da vida –, foi o alvo do desarranjo masculino. Escolhida representante oficial de seu povo, Tribo Jenipapo-Kanindé, de Aquiraz, Pequena há 22 anos enfrenta os sabores e os desassossegos de inovar uma tradição. Vocacionada para liderar foi “eleita” pelos indígenas aos 61 anos, quando por receio da missão chegou a recusá-la inicialmente por três vezes.

Mãe de 16 filhos

Hoje, com 73 anos (e aparência de pouco mais de 50 anos) carrega as necessidades e as conquistas da aldeia. Casada a 56 anos, mãe de 16 filhos e líder de 120 famílias, Pequena é guardiã da memória. Das entranhas da aldeia localizada em Aquiraz, a Cacique já saiu algumas vezes para batalhar em Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Descreve inclusive áreas da capital federal com “certa intimidade”. Motivo: não foram poucas as vezes que Pequena precisou reivindicar em meio a tantas autoridades o direito de ter os 1.734 hectares de terra dos Jenipapos-Kanindés oficialmente demarcados e registrados.

Ser mulher, ser índia, ser do Nordeste e ser liderança. Ser tantas com tantos apelos. Ser muitas e precisar ser coletiva quando, às vezes, o que se quer é somente apostar em si. Dos triunfos que tem, Pequena ressalta as conquistas comunitárias na saúde, na educação, na demarcação da terra e as pessoais “sei que tenho sabedoria e acredito na humildade. É isso que mantenho e posso passar adiante para a juventude que me procura, inclusive gente que não é índio”.

Os sonhos acompanham os feitos e dividem-se da mesma forma, para a aldeia duas coisas: uma capela (Pequena acredita no Deus cristão e no Pai-Tupã) e um cemitério, para si, a alfabetização. “Eu estou estudando e as poucos vou conseguir”. A Cacique, que é miúda no nome, anda crescendo. Tanto que nem se dá conta do tamanho que tem para povo da terra encantada. Por ousadia sua e de sua gente, garantiu o pioneirismo da tribo na grandeza de ter feito da Pequena uma líder. Mais ainda: traça legados. Quando Deus a levar, Cacique Erê assumirá a aldeia. A jovem Juliana, de 20 anos, já disse sim à missão que, segundo os Jenipapos-Kanindé, também é feminina.

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