Na Ponte do Siqueira, sinal da Escola Júlia Alves, na Av. Osório de Paiva e em frente ao Centro de Defesa da Vida Herbert de Sousa (CDVHS), no Grande Bom Jardim, integrantes de coletivos, entidades e movimentos sociais faziam pinturas de painéis, dando início nesta manhã ao primeiro dia da Marcha da Periferia, em Fortaleza. A ação está na sua oitava edição denunciando as violações sofridas pelo povo preto e pobre da Capital. Amanhã, 5 de dezembro, a concentração será na Ocupação Carlos Marighella, no Mondubim.
Mesmo com a pandemia do novo coronavírus, que assola toda a população mundial, os organizadores da marcha dividiram ela em dois dias para que não gerasse aglomeração, além de promover uma ação virtual por meio do “twittaço”, às 17h30, conectando os manifestantes e simpatizantes por meio das hasthags #ocupamarighella e #aperiferiaquerviver.
Desde 2013, a Marcha da Periferia é realizada. E, mesmo com quase uma década de existência, as demandas exigidas em seu manifesto continuam iguais. “Ano após ano aumentam os homícidios da juventude preta, por isso a marcha existe e resiste! Porque a população preta continua morrendo. Então, não apoiamos essa necropolítica que Fortaleza adota”, comenta Carla Moura, uma das organizadoras da marcha.
Uma das principais críticas feitas pelos integrantes da ação é sobre os gastos públicos em segurança, segundo Carla, que também é assessora técnica do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca). “O orçamento destinado para segurança pública tem aumentado, mas não houve redução em violência e homicídios, que acomete principalmente a população da periferia”. Por isso, segundo Carla, são necessárias ações constantes como a marcha, pois só “através da luta e da denúncia que conquistamos nossos direitos”.
O alinhamento da Marcha da Periferia com a Ocupação Carlos Marighella se deu principalmente pelas cobranças feitas pela Marcha desde que foi criada: habitações seguras e qualidade de vida para a periferia. De acordo com um dos ocupantes do Carlos Marighella, “a ocupação está sob sob ameaça de despejo; e a marcha é um símbolo que a luta das periferias se conectam, que hoje estamos ocupando e cobrando um teto seguro, mas a periferia está constantemente sofrendo com a insegurança”.
As demandas e denúncias no manifesto da marcha têm forte recorte racial, com o discurso latente de que "Vidas Negras Importam". Segundo um dos organizadores e também representante do Movimento Negro Unificado, Lipe da Silva, a pandemia da Covid-19 não foi a única a única coisa assustando o mundo em 2021, as mortes injustas de pessoas negras também.
“Existem outras situações que só mostram o quanto que as políticas públicas ou a falta delas afeta a população periférica e preta. Não existem políticas pública voltadas para periferia, que promova a segurança do povo que seja pautada não na violência e na reprodução dessa violência, mas nas práticas do bem viver. Não existem pra gente aqui em Fortaleza. Então, a gente tá novamente vindo à rua para poder fazer essa denúncia que, é fundamental, mesmo nas condições em que a gente tá hoje, vivendo essa pandemia”, afirma Lipe.
Leia na íntegra as pautas da Oitava Marcha da Periferia:
Por memória e justiça de todas as pessoas assassinadas pelo braço armado do Estado, com destaque para as vítimas da Chacina do Curió, que completa 5 anos em 2020 ainda sem nenhuma responsabilização relativamente aos crimes cometidos pelo Estado!
Pela defesa do direito à moradia, à terra e à regularização fundiária para as mais de 80 famílias da Ocupação Carlos Mariguella ― e para outras famílias sem moradia regularizada e em situação de vulnerabilidade social em Fortaleza! Não às remoções violentas!
Pelo fim de práticas de tortura, humilhação e racismo contra nosso povo ― e pela punição de instituições e agentes públicos que praticarem essas ações!
Pelo fim do encarceramento em massa da população negra, em especial da juventude negra, principais vítimas da violência das facções e do Estado!
Pelo fortalecimento da cultura negra nos seus mais diversos espaços e manifestações na cidade e em seus territórios!
Pelo direito de ir e vir e de ocupar espaços públicos (praças, ruas, entre outros) e pelo fim da repressão e qualquer forma de violência que tente dissolver as intervenções culturais realizadas pelas juventudes, como saraus, reggaes na praça ou bailes funk e/ou locais de bibliotecas comunitárias!
Por políticas públicas para a Infância, Adolescência e Juventude: de educação, cultura e de saúde, ampliando os direitos básicos de modo a assegurar o desenvolvimento e a proteção de crianças, adolescentes e jovens, sobretudo quando oriundos/as das periferias!
Pelo direito à liberdade e pela defesa da pluralalidade religiosa e contra qualquer ato de intolerância e racismo religioso em nossos territórios!
Pelo fortalecimento do marco legal de leis de combate ao racismo e à LGBTTfobia!
Pela qualificação urbana dos territórios vulneráveis aos homicídios!
Pela ampliação dos centros culturais territoriais, por meio de editais públicos ou através da construção de novas instituições dentro dos bairros das periferias da cidade!
Pela preservação das reservas ambientais, assim como pela garantia de manutenção das APA's (Áreas de Proteção Ambiental) ― e por políticas públicas de arborização da cidade, tanto em praças como em ruas e avenidas!
Pela implementação do Plano de Enfrentamento à Letalidade na Adolescência para a cidade de Fortaleza-CE, elaborado no ano de 2019, que prevê ações até o ano de 2025!
Pela implementação das 12 recomendações para prevenção de homicídios de crianças e adolescentes no estado do Ceará, elaboradas em 2016, pelo Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência (CCPHA)!
Pelo fortalecimento das medidas socioeducativas em meio aberto observando-se as metas previstas no Plano Municipal de Atendimento Socioeducativo em Meio Aberto de Fortaleza!
Pela garantia da Execução Orçamentária das ações do “Programa Cada Vida Importa” inseridas no Plano Plurianual 2018-2020 do município de Fortaleza, que mesmo com previsão orçamentária, não houve execução até o momento!
Pelo fortalecimento das ações de mediação de conflitos e proteção de adolescentes ameaçados/as!
Por políticas públicas desencarceradoras que promovam o bem estar físico e mental da população negra sobrevivente ao Sistema Socioeducativo e Prisional ― e contra a tortura física e psicológica nas Unidades do Socioeducativo ou do Sistema Carcerário, garantindo água, comida e direitos humanos dentro das Unidades e dos presídios!
Pelo retorno das Audiências de Custódias presenciais com fito de garantir os direitos dos custodiados sobre maus-tratos, violência policial e torturas (#TorturaNãoseVêpelaTV)!
Pelo fim de toda e qualquer violência contra a mulher, seja em protestos, na rua, no cárcere ou em seu domicílio!
Pelo Bem Viver dos povos tradicionais, povos indígenas, quilombolas, camponeses, ribeirinhos, periféricos, residentes em comunidades e nas quebradas! Pelo desinternamento e desencarceramento do povo negro!
Por um sistema de segurança pública e popular que trabalhe para resguardar e proteger toda a população, sobretudo, o povo negro!
Pelo direito à comunicação e aos meios de comunicação (entre os quais à internet de forma gratuita) para as juventudes e populações periféricas, compreendendo esse direito como mecanismo de acesso a condições de geração não só de formação nem apenas de informação, mas de trabalho e renda!
Pela garantia de um fundo de renda básica municipal como forma de assegurar dignidade às famílias que se encontram em situação de vulnerabilidade social!
Pela garantia da produção de lotes urbanizados em observância ao Plano Diretor da cidade, numa lógica de empreendimento urbano sem o modelo de edificação de “grandes conjuntos” , avançando para a criação de fundo público municipal para financiamento de moradias!
Pela criação de restaurantes populares de R$ 1,00 e de cozinhas comunitárias de pequeno e médio porte que se tornem política pública com abrangência em escala municipal!
Pela redução do preço da passagem nos transportes públicos das cidades, assegurando o direito à cidade, assim como passe livre para estudantes da rede pública e pessoas em situação de vulnerabilidade social!
Pela ampliação das ciclovias e ciclofaixas para todas as ruas e avenidas das cidades, garantindo bom fluxo e segurança para ciclistas!
Pela criação de hortas orgânicas e públicas financiadas pelo Estado espalhadas em todo os territórios da cidade, assegurando o direito à alimentação saudável e a soberania alimentar!
Pela ampliação e fortalecimento dos espaços de acolhimento institucional para indivíduos e núcleos familiares ameaçados, deslocados urbanos e vítimas de quaisquer violências, com especial atenção às mulheres, pessoas com deficiência, jovens, idosos/as, LGBTTs.
Pela desmilitarização da polícia, por entender que essa estrutura militar é norteada pela política de guerra, na qual as pessoas pobres, quase sempre pretas, são eleitas como “inimigos” e se transformam em alvos exclusivos das miras e das algemas policiais!
Contra todas as formas de racismo institucional, compreendendo que a proteção dos corpos de pessoas negras, assim como seus direitos, deve ser um compromisso em todos os âmbitos!