Luta pela visibilidade e sobrevivência

A seca mais severa dos últimos 50 anos não exclui ninguém na luta pela água. Na Região Metropolitana de Fortaleza, as comunidades rurais são as mais afetadas

Na dureza aparente de quem vive na zona rural, mesmo tão próximo da cidade "grande", a esperança é expressa pelo olhar. Entre tantas tristezas e um dedo de desilusões, essa confiança é a única que mantém os sonhos e a fé de poder até jurar, de tanto desejo, que há água da boa bem embaixo de seus pés. Para essa gente, o poço artesiano, tão esperado e motivo de lutas, há de se confirmar. Com ele, a comida mais farta na mesa, pessoas menos endurecidas, algum sorriso e, para as crianças, uma daquelas antigas brincadeiras de infância: tomar banho de mangueira.

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A oferta que ainda resta nos reservatórios e mananciais traz em si um valor mais do que simplesmente ser uma composição química: H2O. Ela representa vida, esperança, sobrevivência. Em cinco anos de estiagem, a seca extrapola limites e chega determinada na Região Metropolitana de Fortaleza.

O período, para meteorologistas da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), é o mais severo já enfrentado pelo cearense, com consequências imensuráveis não só para o adulto, como, principalmente, para a criança e adolescente. Não importa a faixa etária, o que se faz, como se vive. Todos dependem dessa água para viver.

Clima

O geógrafo Jeovah Meireles, da Universidade Federal do Ceará (UFC), analisa que o clima do Ceará é marcado pela aridez. As secas são periódicas, e, desde que a ocupação territorial foi consolidada, a população busca alternativas.

A professora do Departamento de Geografia da UFC e coordenadora do Curso de Doutorado em Desenvolvimento e Meio Ambiente em Rede, Vládia Pinto Vidal de Oliveira, aponta que grande parcela do território do Ceará, em torno de 85,47%, é suscetível à desertificação. Assim, as áreas passíveis a esse processo, no Ceará, são os núcleos de Irauçuba, principalmente, os municípios de Irauçuba, Santa Quitéria e Canindé, as regiões dos Inhamuns/Sertões de Crateús e o Médio Jaguaribe. "Dessa forma, a Região Metropolitana de Fortaleza não está inserida nesse contexto", frisa. Qualquer alteração negativa da paisagem, que tenha sido afetada pela ação do homem, é considerada degradação e não desertificação. Por exemplo, não posso dizer que as áreas dos tabuleiros pré-litorâneos ou mesmo o ecossistema manguezal estejam desertificados, mas posso dizer que estão degradados", diferencia.

Por outro lado, salienta, independente que a Região Metropolitana não esteja inserida no conceito de desertificação, a problemática da seca que ocorre nas áreas circunvizinhas ou sertanejas repercute na RMF, por meio dos seus aspectos socioambientais, pois tudo está conectado. "Citamos o êxodo rural quando o homem abandona o campo em busca de melhores condições e oportunidades na Capital, onde provavelmente se instalará em favelas ou em áreas de riscos".

Entrevista - Dedé Teixeira - Titular da SDA

Os programas Água para Todos e São José são considerados vitais para a região. Os dois estão recebendo recursos do Ministério da Integração?

Houve cortes, sim, nos repasses da União em relação aos programas. O primeiro, por exemplo, ainda aguarda liberação da ordem de R$52 milhões. Mesmo assim, no São José, entre 2015 e 2016, já foram executados 42 sistemas de abastecimento d'água beneficiando 4,8 mil famílias, em 23 municípios num investimento total de R$17,6 milhões. No período, foram instalados 5,5 mil módulos sanitários em 53 municípios e 15 Sistemas de Reúso de Água, num total investido de R$203milhões.

Qual o papel das prefeituras nesse processo?

Semana passada foi fechado um acordo inédito entre o governo do Ceará e gestões municipais. Antes, os poços eram perfurados pelo Estado, mas o serviço de instalação sofria com interrupções e atrasos. Agora, o município e o gestor do saneamento, no caso Cagece ou Sistema de Abastecimento de Água e Esgoto (SAEE), serão responsáveis pela instalação e gestão dos poços.