Iniciativas ressocializam e empregam apenados no Ceará

Projeto de lei determina reserva de vagas em empresas para pessoas que passaram pelo sistema prisional

Por motivos sobre os quais evita falar, Antônio Souza (nome fictício) passou pouco mais de um mês detido em uma unidade prisional do Estado. Sem ensinos completos ou carreira profissional, saiu de um cárcere para encontrar outro. Conseguir uma vaga de emprego, para qualquer pessoa, já era difícil. Para um egresso do sistema, era quase impossível. "O medo era de não recuperar o que eu tinha antes. De ninguém dar uma chance", diz. "Passei um bom tempo desempregado. Só depois consegui trabalho", acrescenta.

Antônio faz parte do grande grupo de pessoas que tiveram passagem pelo sistema carcerário, porém, mesmo cumprindo suas sentenças, continuam sentindo, todos os dias, as dificuldades de voltar a pertencer à sociedade. A reinclusão desses homens e mulheres depende das poucas oportunidades dadas pelos que acreditam em uma segunda chance.

Aprovado na última quinta-feira (3), na Assembleia Legislativa do Estado, um novo projeto de lei torna obrigatório que, a partir de agora, empresas contratadas pelo Estado disponibilizem uma parcela das vagas de emprego a ex-detentos e internos do sistema prisional em regime aberto, semiaberto ou em livramento condicional. O objetivo é facilitar a reinserção social das pessoas apenadas.

Projetos

Mesmo ainda tímidas, iniciativas de reinserção no Ceará existentes, hoje, vêm demonstrando resultados positivos nos últimos anos, incluindo centenas de cearenses no mercado de trabalho. Uma delas, o projeto "Fábrica-Escola", iniciado em 2013 pela Fundação Educacional Deusmar Queirós, emprega, atualmente, 38 homens e mulheres que cumprem sentença no sistema prisional do Estado.

Após passarem por acompanhamento psicossocial e atividades de capacitação, eles são encaminhados a indústrias da construção civil e de equipamentos eletrônicos, e outras empresas.

Ao final de cada módulo, cerca de 300 pessoas, dentre apenados e familiares, são beneficiadas direta e indiretamente, afirma o superintendente da Fundação, Vicente Pereira.

"No início, eles se sentem meio perdidos, porque não são reconhecidos. Mas, depois, aprendem a se identificar, a viver em sociedade e a ter uma habilidade para contribuir para a sociedade. Isso aumenta muito a autoestima, e nós percebemos a vontade deles de participar", observa Pereira.

Na mesma linha, o projeto "Reconstruir", promovido por meio de um convênio entre o Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon) e o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE), atende em torno de 40 apenados e egressos do sistema prisional, que, uma vez fora da prisão, passam a trabalhar em canteiros de obras. Lá, assumem funções de pedreiros, pintores, eletricistas, serventes e outras profissões.

Oportunidade

A iniciativa começou neste ano. "Somos o setor que mais emprega no Ceará, com 80 mil funcionários. Então, resolvemos dar uma oportunidade para que essas pessoas não retornem ao crime", afirma André Montenegro, presidente do Sinduscon.

"Acreditamos que eles precisam de uma segunda chance, talvez a última chance da vida. O trabalho dignifica, dá cidadania, e, no projeto, eles ganham salário igual aos outros operários e conseguem sustentar a família", acrescenta.

Segundo ele, o projeto tem sido bem-sucedido. São mais de 20 empresas parceiras, além das pessoas já empregadas, existe um extenso cadastro reserva. O próximo passado, diz Montenegro, é ampliar o número de apenados contemplados.

"A meta para este ano é ter 100 pessoas. Próximo ano, pode ser mais 100. Também estamos levando o projeto ao conhecimento de outros estados, para ver a possibilidade de replicar isso em outros locais e em outras indústrias", destaca.

Humanização

Hélio Leitão, titular da Secretaria de Justiça do Estado (Sejus), afirma que uma das diretrizes do órgão para os próximos anos é a humanização do sistema prisional no Ceará.

Dentro desta meta, conforme o secretário, destacam-se todas as estratégias de promoção à saúde, à cultura, à educação e ao trabalho nas unidades de encarceramento. Hoje, ainda de acordo com o representante da Pasta, existem cerca de 15 programas de ressocialização realizados pela própria Sejus ou por meio de parcerias com outros órgãos públicos ou de iniciativa privada.

"Entendemos que o apenado vai, em algum momento, retornar ao convívio com a sociedade e nós precisamos dar uma porta de saída para essas pessoas. Se ela não tiver uma alternativa de emprego, se isso for negado, as chances de voltar a delinquir são enormes", analisa Hélio Leitão.