Idas quase que rotineiras a hospitais, visitas a diferentes médicos e buscas incansáveis por especialistas. O caminho até o diagnóstico correto é o primeiro de muitos obstáculos enfrentados por pacientes com doenças raras e seus familiares. Por dia, 30 pessoas com enfermidades desse tipo são atendidas e acompanhadas no Hospital Infantil Albert Sabin (Hias).
A unidade é uma das duas únicas no Ceará reconhecidas pelo Ministério da Saúde como estabelecimentos especializados para atendimentos de doenças raras. O Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC) é o segundo estabelecimento reconhecido pelo Ministério, e atende quase 10 pacientes com doenças raras por dia, referenciados pelos serviços de genética.
No Brasil, não há uma base de dados que contabilize o número de pacientes já diagnosticados com doenças raras. O mesmo se repete em outros países. A Organização Mundial da Saúde (OMS) determina que doenças raras são aquelas que afetam até 65 pessoas a cada 100 mil indivíduos, ou 1,3 a cada dois mil. Para o Brasil, estima-se que existam 13 milhões de pessoas com enfermidades especiais. A conscientização é promovida anualmente no último dia de fevereiro, que marca o Dia Mundial das Doenças Raras. "No ambulatório de Genética estamos tendo uma demanda maior e nos organizando para recebê-la", afirma Denise Carvalho, geneticista do HUWC.
O acesso ao atendimento no Hias, de acordo com a Secretaria da Saúde do Estado (Sesa), ocorre por meio de encaminhamento do município (Central de Regulação) ou pela emergência do próprio hospital, que é porta aberta - 24 horas - para casos de urgência. Em caso de suspeita ou diagnóstico de doença rara, os pacientes são encaminhados para o médico geneticista a fim de avaliar ou confirmar o diagnóstico, iniciando o tratamento especializado.
"A gente já atendeu, desde o ano 2000, cerca de 5 mil pessoas com doenças raras. Esse atendimento é feito todos os dias pela manhã, em média 30 pessoas por dia, de segunda a sexta-feira. Para os casos novos, são quatro vagas por semana, com atendimento toda terça-feira", explica Erlane Ribeiro, geneticista do Hospital Infantil Albert Sabin.
Ela relata que o ambulatório de genética do Hias existe há 20 anos e, no ano 2000, funcionava por dois dias na semana. Quando passou a atender os pacientes de segunda a sexta-feira, começou a atender uma demanda reprimida. Segundo a geneticista, existe uma carência de profissionais para atuar nessa área do hospital. "A Sesa prometeu fazer um concurso e estamos esperando pra ver se sai esse ano. Deve abranger todos os profissionais que nós precisamos, porque não adianta ter só o geneticista pra tratar as doenças raras. Ele faz o diagnóstico, mas precisa de outros profissionais para ajudar no tratamento, que, na maioria das vezes, envolve várias outras especialidades".
Os casos raros mais frequentemente atendidos no Hias incluem a doença de Ehlers-danlos, Síndrome de Marfan, fibrose cística, fibrose intestinal, atrofias musculares espinhais hereditárias, doenças degenerativas do sistema nervoso, malformação congênita da face e dos membros, anomalias congênitas de manifestação tardia.
Condição
Durante a trajetória até o diagnóstico da filha Sofia, de 8 anos, a dona de casa Maria Socorro Lopes, 42, também passou pelo Hospital Infantil Albert Sabin. A menina tem distrofia muscular, e a condição foi descoberta quando ela tinha apenas 5 anos de idade.
"A gente não sabia o que era. Só sabia que ela tinha uma fraqueza, um atraso no desenvolvimento. A Sofia nunca andou", revela Maria. "Até agora, a gente não sabe que tipo de distrofia é. Estamos esperando o resultado de uns exames". Há três anos, Sofia teve uma parada respiratória, e teve de passar por uma traqueostomia. Foi nesse momento que a mãe decidiu buscar uma consulta com geneticista, por conta própria.
"Hoje ela 'tá' bem melhor. Ela tem a cadeira de rodas adaptada e estuda em casa, acompanhada pela Abrame. Eles mandam uma professora duas vezes por semana, que é melhor do que ficar sem estudar. Ela é muito inteligente. O neurologista disse até que ela pode frequentar colégio normal, mas tem a preocupação de mãe, né? Tenho medo por conta dos aparelhos que ela usa", admite Maria Socorro.
O apoio prestado pela Associação Brasileira de Amiotrofia Espinhal (Abrame) veio em boa hora para a família de Sofia. Na época, a menina estava internada. Por intermédio de uma amiga, Maria recebeu a visita da presidente da Abrame, Fátima Braga, que a introduziu à Associação. A presidente, por sua vez, relata que seu contato com doenças raras começou através de uma "luta pessoal", há 18 anos, quando seu filho foi diagnosticado com distrofia muscular tipo 1.
O pequeno Lucas havia sido deixado na porta de Fátima, sem identificação. Ela decidiu adotá-lo em seguida. "Há 18 anos, não tinha absolutamente nada. Então era necessário passar informações sobre a doença, conscientizar os profissionais de saúde de que era possível os pacientes terem qualidade de vida", diz Fátima Braga.
Portaria
Para a presidente da Abrame, no cenário brasileiro, ainda há muito a se avançar. Ela afirma que o assunto só passou a ser debatido no Brasil após o lançamento da Portaria nº 199, do Ministério da Saúde, que instituiu a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras, aprovou as Diretrizes para Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e garantiu incentivos financeiros de custeio.
"Nós temos um convênio com a Secretaria de Educação do Estado, e os professores fazem assistência tanto no âmbito domiciliar como hospitalar, porque as crianças passam a viver dentro de uma UTI em casa", explica Fátima.
O acesso aos medicamentos é outra etapa entre os desafios para pacientes com doenças raras. Em alguns casos, devido ao alto custo dos produtos, é necessário apoio jurídico para conseguir o tratamento. "São remédios de elevadíssimo custo. Cabe ao advogado provar a questão da eficácia do medicamento, a verdadeira necessidade de o autor daquele processo fazer uso do remédio, sob pena de agravamento da doença, ou, em alguns casos, até a morte", pontua o advogado Alexandre Costa, presidente da Comissão de Doenças Raras da OAB-CE.
Ele detalha que o processo começa com indagações. Primeiro, é preciso saber se o medicamento em questão tem ou não o registro na Anvisa. A segunda pergunta é se o produto já foi incluído na relação de medicamentos especiais. "Se não estiver incluído, tem que mostrar estudos realizados em outros países que já aprovaram o medicamento, para embasar", relata Alexandre.
"Quando o medicamento está incluído, o SUS cria um Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT), que indica que determinado fármaco é indicado para respectivas enfermidades, e alguns perfis de pacientes, de acordo com idade ou hipóteses de exclusão". O advogado ressalta que há casos em que, embora o protocolo indique o contrário, o medicamento se mostra bastante eficaz em pacientes que estão no critério de exclusão.
É então que o advogado age para provar que tal critério não condiz com a realidade, e que o paciente deve, de fato, fazer uso do remédio. "Tem que provar com laudos, estudos, relatório médicos. Há uma variação muito grande, mas, em média, são atendidas 30 a 40 pessoas com doenças raras, por mês. E a maioria dos casos é bem sucedida", afirma.