Já se vão quase nove meses desde o dia em que Luís Alberto Rodrigues, 66, chegou ao Hospital São Camilo para ser internado após o diagnóstico de Covid-19. Hoje livre da infecção, o aposentado tem consigo uma resquício persistente: a alteração na fala.
"De restante, eu estou bem. A única coisa da qual eu me queixo é a minha voz. Faço esforço pra falar, não consigo mais falar baixo, é sempre forçando. Eu fiz sessões com fonoaudiólogo, e fiz fisioterapia em casa. Ajudou um pouco. Às vezes, ainda tenho alguma dificuldade de engolir", relata Luís Alberto. Ele lembra que quando chegou ao hospital, já havia perdido olfato e paladar. Ao todo, foram 15 dias internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e outros 17 dias na enfermaria.
A tão esperada volta para casa aconteceu em 16 de junho, após receber alta. Nessa data, ele já havia recuperado tanto o olfato como o paladar.
"Eu ainda estava com o traqueóstomo quando voltei a falar. Mas notei que minha voz mudou. Quando eu falo muito, eu canso. Às vezes alguns amigos ligam e passam muito tempo, aí eu peço pra desligar porque já não aguento", conta Luís Alberto.
Para a dona de casa Liliane Nunes da Luz, 36 anos, a confirmação da Covid-19 ocorreu ainda em junho de 2020. Apesar de seu esposo e filho terem apresentado sintomas mais graves, como dificuldade de respirar e o cansaço muscular, o único sintoma mais severo ocorreu de forma pontual. "Eu tive essa sensação de afogamento e de uma corrida que acaba perdendo o fôlego e não consegue recuperar o ar, mas foi só", afirma.
Posteriormente não voltou a apresentar essa sensação, nem teve febre ou dor de cabeça. Apesar disso, a perda do paladar e do olfato, que esteve presente no auge de sua doença, segue como uma sequela mesmo após quase oito meses desde sua recuperação em junho do ano passado.
Esse efeito se torna prejudicial em seu dia a dia, principalmente, no momento de cozinhar o almoço. "Arroz e carne queimavam. Tive dificuldade no começo, precisei colocar despertador para ficar atenta ao tempo da comida", acrescenta."Até hoje continuo sem sentir gosto e cheiro. Não tenho nenhuma sensibilidade. Já mastiguei limão inteiro, mas só sinto um amargo na boca e uma 'catinga' que não se explica", afirma.
Casos distintos
Mesmo em meio às incertezas que ainda cercam os estudos realizados sobre a Covid-19, seus sintomas e sequelas, especialistas já conseguem apontar impactos da doença a partir do acompanhamento de pacientes recuperados do novo coronavírus. De perda de olfato e paladar, até debilidades motoras e respiratórias, o quadro pode variar a partir de cada pessoa, ainda sendo cedo para delimitar com segurança os motivos para as variantes entre cada paciente.
A fisioterapeuta Lea Queiroz, atuante como coordenadora do Programa de Assistência Domiciliar do Hospital São José (HSJ), percebe que a maioria dos pacientes acompanhados apresentaram sequelas motoras. Conforme aponta, dos 29 recuperados da Covid-19 atendidos pelo serviço de abril do ano passado até este mês, cerca de 12 a 15 se enquadram no cenário de alta gravidade. Para esse grupo, o tempo de acompanhamento domiciliar costuma durar algo entorno de dois meses.
"Os casos que foram só sequelas respiratórias e debilidade muscular mais leve ficam menos tempo, cerca de um mês", aponta. O tratamento realizado por equipe multidisciplinar, conta com médicos, nutricionistas, enfermeiros, fisioterapeutas, técnicos de enfermagem e assistentes sociais. O grupo busca fortalecer as áreas mais debilitadas de cada paciente. Aqueles que apresentam movimentação motora debilitada, por exemplo, realizam exercícios para recuperar a antiga força, como a ação de pegar e levantar um cabo de vassoura.
"Tivemos pacientes que não andavam, tinham que levar cadeira de rodas e de banhos para casa", comenta. A decisão de ampliar para recuperados da Covid-19, o serviço de atendimento domiciliar do HSJ, que já ocorria desde 2000, ocorreu devido à percepção de que muitos cuidados continuam sendo necessários mesmo após a alta hospitalar. "Apesar da doença ter deixado uma perda muscular, é muito bom saber que dá para reabilitar esses pacientes", conclui Lea Queiroz.
Assim como a fisioterapeuta, o infectologista e professor de Medicina da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Dr. Érico Arruda, também aponta que os casos mais comuns são as situações em que pacientes apresentam fraqueza após a Covid-19. "Ele se sente menos disposto às atividades do dia a dia. Ao meio do dia, ele começa a sentir como se as energias deles já não fossem o suficiente para continuar nas atividades", detalha o médico.
Impactos
Nos casos mais críticos, relata que a existência de dores articulares e musculares "são manifestações muito comuns". Por causa da inflamação no miocárdio, músculo do coração, durante o quadro da doença, alguns pacientes seguem com essa sequela mesmo após a alta, o que pode gerar a dependência de medicações e a perda da capacidade física em relação aos exercícios.
Além disso, os casos mais graves ainda podem apresentar sequelas pulmonares, com a piora na capacidade respiratória, e a inflamação no sistema nervoso central, podendo favorecer um possível Acidente Vascular Cerebral.
"É mais comum naquelas pessoas que tiveram um quadro agudo mais severo, que se internaram. Aquelas que têm comorbidades ou que já tinham uma doença no coração", explica Érico Arruda.
Como forma de tentar reduzir essas sequelas, o infectologista aponta a importância de realizar a fisioterapia em ambiente hospitalar para minimizar os danos após a pessoa entrar em quadro grave com a necessidade de ventilação mecânica. No caso daquelas que não chegam a esse nível, é possível realizar atividades respiratórias para "garantir a expansibilidade do pulmão e manter algum fluxo", diz.
No Posto de Saúde Anastácio Magalhães, foi instalado um ambulatório chamado Rebracovid, que faz parte de uma rede de nacional que estuda pacientes com Covid-19, conforme explica o epidemiologista Luciano Pamplona, professor do curso de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC).
"A gente monitora desde o início do primeiro sintoma, de forma quinzenal, além do monitoramento no ambulatório, existe uma visita domiciliar, que entra em contato com a família desse paciente. A ideia é descrever uma história natural dessa doença", diz.