Grupos quilombolas de Aracati não recebem vacinas contra Covid-19, mesmo estando entre prioridades

Prefeitura de Aracati não reconhece Cumbe como comunidade quilombola, e informa que está vacinando no córrego do Ubaranas

As comunidades quilombolas do Cumbe e do Córrego de Ubaranas, localizadas em Aracati, ainda não foram vacinadas pelo município, mesmo fazendo parte do grupo prioritário da fase dois do Programa Nacional de Vacinação (PNI) do Governo Federal. Desde o dia 28 de abril, Aracati iniciou a fase três do plano de imunização, atendendo atualmente a pessoas com comorbidade.

Segundo João Luís Joventino do Nascimento, quilombola do Cumbe, a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) de Aracati entrou em contato com as comunidades, no final de janeiro, a fim de mapear quantas pessoas residiam nos locais para receber o imunizante.

"Nós fizemos [a lista de pessoas] e enviamos e, até hoje, estamos aguardando as vacinas. A gente viu que de 82 comunidades quilombolas no Estado, Aracati foi a única que não vacinou”, lamenta.

O sentimento é de muita revolta, de impotência, de ver o seu direto que é garantido constitucionalmente ser descumprido”
João Luís Joventino do Nascimento
Quilombola do Cumbe

A comunidade do Cumbe, juntamente com a do Córrego de Ubaranas, acionou a Defensoria Pública do Ceará para tentar garantir a vacinação. Segundo o defensor Diego Cardoso, atuante na comarca de Aracati, há uma violação clara dos direitos desses povos, “uma vez que quilombolas são contemplados na fase dois tanto do plano nacional quanto do plano estadual de imunização”.

Em nota, a Prefeitura de Aracati ressaltou que elaborou seu Plano Municipal de Vacinação conforme as diretrizes do Programa Nacional de Imunização (PNI) e da Nota Técnica oriunda da Secretaria Executiva de Vigilância e Regulação em Saúde do Estado, tendo, inclusive, iniciado a 3ª fase de vacinação. 

Diego explica que as doses que foram aplicadas, até agora, em quilombolas no Aracati foram por meio do critério etário, não pelo pertencimento à comunidade tradicional. “O município está agindo em contrariedade ao ordenamento jurídico nesse caso por diversos pontos, visto que os quilombolas têm proteção constitucional e são vistos como um grupo vulnerável, que precisam de uma atuação estratégica do poder público”, expõe o defensor.

“Eles vivem ali numa comunidade que é muito tradicional, convivem muito dentro de si e a vulnerabilidade é muito grande. Tem muita pobreza, muita insuficiência econômica, muita dificuldade de acesso a serviços públicos. Por conta disso, se justifica esse tratamento prioritário para esse grupo especificamente”, continua.

Diego explica que os povos quilombolas representam um percentual muito pequeno da população em geral, “então não se está gerando um prejuízo na vacinação para atender essas populações”. De acordo com levantamento realizado pelas próprias comunidades em Aracati, há uma média de 500 pessoas no município nessa situação.

Nesse cenário, a Defensoria do Estado expediu uma recomendação formal ao município de Aracati para que eles iniciassem a vacinação dos povos quilombolas.

Prefeitura de Aracati não reconhece Cumbe como comunidade quilombola

A secretária da Saúde de Aracati, Andresa Guedes Kaminski Alves, informou, em nota, que, no Cumbe, apenas uma "minoria dos residentes se autodeclaram povos tradicionais quilombolas" e eles não estão isolados. A gestora destaca ainda que uma ação judicial pede a anulação "da certidão de autodefinição a qual faz constar a Comunidade do Cumbe como Remanescente de Quilombola". Além disso, um inquérito policial apura a falsificação de documentos e assinaturas.

A secretária ressaltou ainda que pessoas residentes na comunidade do Cumbe foram vacinadas, conforme os outros critérios de prioridades, como idosos e pessoas com comorbidades. "Quanto à comunidade do córrego do Ubaranas, esta reconhecida comunidade tradicional de quilombolas, houve, também vacinação de pessoas da referida comunidade".

Município diz à DPU que não reconhece oficialmente a comunidade

A Defensoria Pública da União (DPU) também notificou o município sobre a questão, o qual respondeu que não reconhece oficialmente a comunidade quilombola do Cumbe na localidade.

No entanto, tanto a comunidade do Cumbe quanto a do Córrego de Ubaranas são reconhecidas como quilombolas pela Fundação Cultural Palmares, pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e pela Comissão Estadual dos Quilombolas Rurais do Ceará (Cequirce).

Para o presidente da Associação Quilombola do Córrego de Ubaranas, José Francisco dos Santos Pereira, o sentimento é de abandono. “A informação que a gente tem é que chegou a vacina na cidade e não foi disponibilizada pra gente; e a gente sabendo que outras comunidades do Ceará foram vacinadas e a gente não, a gente se sente desvalorizado como um todo”.

“Já que nós temos direito, [independentemente] se alguém concorda ou não concorda com isso, eu acho que direito tem que ser cumprido e a gente não vê os direitos da gente sendo cumprido. [Estamos] há todo tempo sendo desvalorizados, a nossa gente, o nosso povo. A gente se sente indignado com essa questão”
José Francisco dos Santos Pereira
Presidente da Associação Quilombola do Córrego de Ubaranas