Fortaleza tem 2,2 mil casos de dengue a mais que 2019, até junho

Apesar de expressivos, os números estão abaixo do esperado pela Secretaria Municipal da Saúde, que contava com um cenário mais grave devido à reintrodução do tipo viral 2; especialista considera influência da Covid-19

Embora o período de pandemia atraia olhares para os números da Covid-19, a dengue ainda avança em Fortaleza e também exige cuidados. Até o dia 6 de junho – 23ª semana epidemiológica deste ano – foram confirmados 3.561 casos da arbovirose somente na Capital, sendo 2.206 a mais que o observado em igual período do ano passado, quando foram contabilizados 1.355 casos da doença. Os dados foram registrados pela Secretaria Municipal da Saúde (SMS).

O aumento é notável, mas a variação era esperada, e o cenário ainda é considerado “positivo” devido à taxa de incidência no período, de 135,2 casos a cada 100 mil habitantes, o que representa um cenário de baixa transmissão, conforme explica o coordenador de vigilância em saúde da SMS, Nélio Moraes.

“Esses números representam, junto com 2018 e 2019, um dos períodos de menor intensidade de transmissão em Fortaleza. Mas todo aumento gera um sinal de alerta e atenção, porque não vencemos a dengue”, afirma.

A projeção para o ano de 2020 apontava para um número maior de casos da doença devido à reintrodução da dengue tipo 2, seguindo o padrão do que aconteceu em outros estados brasileiros nos dois últimos anos, como São Paulo e o Distrito Federal, que apresentaram epidemias de dengue quando o tipo viral voltou a circular. Moraes ressalta, contudo, alguns fatores de alerta: primeiro, o fato de que a cidade tem dois sorotipos virais em circulação (1 e 2), o que aumenta as chances de transmissão da doença.

Outro fator se dá na concentração dos casos de dengue em bairros da Secretaria Regional VI, que reúne 43% dos casos em Fortaleza, segundo o coordenador.

“O bairro Jangurussu sempre foi o local que mais acumula casos da doença em toda a série histórica, por sua dimensão, condições socioeconômicas e IDH. Também podemos incluir o Conjunto Palmeiras e até Messejana. Agora, estamos com sinal de alerta para a Sapiranga”, pontua.

A região do Jangurussu foi alvo de ações para eliminar focos do mosquito, além do uso do carro fumacê. O bairro Sapiranga, segundo o coordenador, também será alvo de ações emergenciais. Nélio Moraes relata, ainda, que se as ações de combate ao Aedes aegypti forem mantidas neste momento, em que as chuvas começam a diminuir, a tendência é de que o número de casos de dengue caiam.

Sintomas

Para o biólogo Luciano Pamplona, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), o número de casos abaixo do esperado para esse período pode ser atribuído a dois fatores principais.

“Ou os casos realmente não estão acontecendo, o que eu não acredito, ou os pacientes estão tendo e sendo confundidos com Covid-19 e ficando em casa. Isso é preocupante porque estamos em um momento com muitos óbitos domiciliares, tem muita gente morrendo em casa. Alguns a gente consegue confirmar a Covid, porque estamos testando todos, mas como estamos proibidos de fazer a necropsia, não é feito teste para dengue”, revela.

Ele avalia que os sintomas iniciais das arboviroses – dengue, Zika e chikungunya – e da Covid-19 se confundem. Por isso, não seria raro que um paciente com sintomas como febre e dor no corpo acredite ter desenvolvido a infecção causada pelo coronavírus.

“Por isso, eu recomendo: se começar a apresentar esses sintomas, independentemente da assistência médica que você vai buscar, já aumenta a ingestão de líquido. Se for dengue, já é o tratamento preconizado. Se for qualquer outra virose, também ajuda”, diz.

Luciano Pamplona acredita, ainda, que sob um ponto de vista mais otimista, é possível que, como a maioria da população está passando mais tempo dentro de casa devido ao isolamento social, pode estar havendo mais cuidado por parte das pessoas e, assim, ocorrendo a eliminando de focos do mosquito.

Diagnóstico

Os sintomas que desenvolveu não teriam sido suficientes para preparar o estudante universitário Francisco Mauro, de 22 anos, para o diagnóstico que estava prestes a receber. O jovem vinha cumprindo o isolamento social desde a suspensão das aulas, e saiu de casa apenas uma vez, no dia 22 de abril, para pagar contas em uma lotérica.

Pouco depois, no dia 26, Francisco começou a ter febre. As temperaturas altas se estenderam por uma semana, até que, durante uma madrugada, começou a sentir falta de ar. “Era como se estivesse me afogando, aí decidi ir ao hospital. Lá, disseram que tinha uma bactéria. Depois dos exames de sangue, o médico disse que, além disso, tinha dengue hemorrágica”, revela.

Foi a segunda vez que o estudante contraiu dengue. O primeiro diagnóstico foi dado durante o Carnaval deste ano. Como não havia teste para Covid-19 disponível na unidade em que foi atendido, e ele apresentava os sintomas, o médico informou que poderia ser necessário o uso da cloroquina.

“Saí de lá com praticamente três doenças e sem diagnóstico conclusivo, mas com as receitas para comprar tudo. Para bactéria, era um antibiótico. Na dengue, pediu muita hidratação, e na Covid-19 disse para comprar Oseltamivir e Cloroquina e se medicar em casa. Caso piorasse, retornasse lá”, lembra.

Francisco não conseguiu adquirir a Cloroquina, mas seguiu as demais orientações e permanece isolado em um quarto em casa, sem contato com os próprios pais, e está se recuperando. “É incrível como não tinha disposição para nada. Eu colocava algo na TV só para ficar assistindo, mas não tinha disposição, parece que suga as energias. Consegui comer apenas cinco dias depois, antes tive febre muitos dias, falta de apetite, boca amargando”, conta.

O cenário da dengue no Ceará, até o dia 11 de maio, era de 5.774 casos confirmados. Em comparação a igual período do ano passado, foram 88 casos a menos, conforme os dados da Secretaria da Saúde do Estado (Sesa). Em 2020, 606 pessoas com dengue haviam sido internadas; o comparativo de 2019, porém, não foi informado pela Pasta.

“Crato e Orós estão em uma situação um pouco mais sensível, com casos da doença. Fizemos ações de conscientização nessas cidades, também com fumacê”, diz Roberta de Paula Oliveira, coordenadora de Vigilância Ambiental da Secretaria da Saúde do Estado.