Estudos definirão continuidade de povos tradicionais no Cocó

Após um ano e cinco meses da demarcação oficial do Parque do Cocó, em Fortaleza, moradores de duas comunidades tradicionais, que buscam permanecer nas áreas onde moram, estão finalmente sendo pesquisados

Há um ano e cinco meses, o Parque do Cocó se tornou oficial. O decreto 32.248/2017 finalmente criou a Unidade de Conservação Estadual em Fortaleza e acomodou demandas históricas pela preservação da área. Mas esse passo foi apenas o inicial. Ainda há muito o que ser feito para que o território demarcado em 1.571 hectares seja, de fato, protegido. Uma das etapas ainda em processo de execução é o reconhecimento das comunidades tradicionais que habitam a poligonal. Em outubro deste ano, foram iniciados os estudos para a emissão de laudos socioantropológicos que podem evidenciar as dimensões que caracterizam essa população como tradicional e, assim, tais moradores terem a permanência no Parque do Cocó assegurada legalmente.

Quando os processos de regulamentação do Parque do Cocó ainda estavam em debate e alguns estudos realizados a pedido do poder público foram desenvolvidos, moradores de pelo menos duas comunidades reivindicaram oficialmente a identidade de povos tradicionais do Cocó – evidenciando, desse modo, a vontade de continuar habitando o território historicamente povoado pelo ancestrais.

Uma delas é a comunidade Boca da Barra, localizada na Sabiaguaba. Outra, a comunidade Casa de Farinha, no Caça e Pesca. Após a regulamentação, com o passar dos meses, os moradores de ambos os locais se viram ameaçados por temores de retirada e pela lentidão dos processos de reconhecimento.

No mês passado, os estudos sobre as características dessa população foram finalmente iniciados a pedido da Secretaria de Meio Ambiente do Ceará (Sema) e estão sendo coordenados pela socióloga, professora da Universidade Federal do Ceará (UFC) e pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Irlys Barreira.

Apreensão
“Em relação à pesquisa, a gente está bem otimista. Começou em outubro e estão fazendo uma questionário com a comunidade sobre nosso modo de vida”, relata o morador da Boca da Barra, pescador e integrante do Conselho do Parque do Cocó, Roniele Silva de Sousa. O pescador explica que no início da tentativa de regulamentação do Parque a comunidade foi pega de surpresa. “Um território tradicionalmente ocupado desde o século XVIII, onde a gente já faz parte de dez gerações e vem de uma ramificação totalmente indígena, pra gente ser expulso do território com a criação do Parque do Cocó foi muito preocupante. Teve gente na comunidade que ficou muito apreensivo”, afirma.

A marisqueira e atualmente dona de barraca também moradora da Boca da Barra, Maria da Paz, reitera o argumento de Roniele. Segundo ela, que nasceu no território e há 56 habita a Sabiaguaba, “o processo tem sido muito incerto”. “Estamos vivendo uma incerteza do que vai acontecer. Estamos apreensivos por não saber o que vai acontecer. Se tiver que sair, vai pra onde? Vai viver de que?”, completa.

Segundo os moradores, a comunidade já abriga cerca de 16 famílias, divididas em pelo menos 20 casas. Conforme os relatos, a maioria atua diretamente com a pesca (pescadores e marisqueiros), mas com o passar do tempo e os impactos ambientais provocados pelo avanço da urbanização no local, como a construção da Ponte da Sabiaguaba, muitos começaram a atuar em atividades mistas, que mantêm relação com o mar.

“Estamos apreensivos por não saber o que vai acontecer. Se tiver que sair, vai pra onde? Vai viver de que?” Maria da Paz, marisqueira e moradora da Boca da Barra

Estudos
A professora Irlys Barreira explica que foi convidada a fazer laudos socioantropológicos sobre quais as comunidades tradicionais habitam a poligonal do Cocó. De acordo com ela, a pesquisa tem como metodologia a realização de entrevistas e coleta de material que podem subsidiar a caracterização histórica e antropológica dessa população. Dentre as dimensões consideradas, está a relação dos moradores com o meio ambiente, seja por meio de trabalho, da preservação e de práticas históricas das famílias.

“Considerando que tradicional não é só aquela comunidade do século passado que vive só da terra, que é plantador, agricultor ou só pescador. Com a proximidade da cidade e com a condição de sobrevivência, eles, às vezes, mantêm atividades mistas. Trabalham na sua comunidade, mas também podem ter trabalhos esporádicos em outras atividades”, informa a pesquisadora.

Segundo Irlys, a comunidade Casa de Farinha é mais homogênea e a Boca da Barra mais diversificada. Porém, isso não caracteriza a sobreposição de uma à outra. No caso da comunidade Casa de Farinha, ela relata que há, inclusive, estudos topográficos da área.  A estimativa da professora é de que até dezembro os laudos tenham sido concluídos e o material seja entregue oficialmente à Sema.

"Tradicional não é só aquela comunidade do século passado que sobrevive de uma única atividade" Irlys Barreira, pesquisadora

Questionada sobre a atual situação dos estudos referente às comunidades tradicionais, bem como pessoas não enquadradas nessas populações e que habitam o Cocó, a Sema respondeu, em nota, que não possui números precisos, “uma vez que todos os estudos encontram-se em fase de elaboração”. Segundo a Pasta, o consórcio Engesoft Engenharia e Consultoria LTDA e a Gau Guimarães Arquitetura e Urbanismo S/S LTDA estão com “equipe em campo, realizando estudo socioeconômico que inclui a identificação das ocupações e a situação econômica de cada um”.

Os estudos referentes às comunidades tradicionais, explica o órgão, foram iniciados e todas “famílias que se enquadrarem nos critérios de comunidade tradicional, poderão permanecer dentro da área, seguindo as diretrizes que serão propostas no Plano de Manejo”.