Os passos chegam tímidos, mesmo com o ambiente conhecido - afinal, foram mais de seis meses longe da escola -, e encontram um tapete encharcado de uma solução desinfetante. Um funcionário mede a temperatura com um termômetro e orienta higienizar as mãos com álcool em gel. Em algumas unidades, até as mochilas são limpas com o produto. O protocolo de retomada nas escolas privadas de Fortaleza é semelhante, mas, nesta quinta (1º), foi ampliado para mais quatro séries além do Ensino Infantil, reaberto desde setembro.
Com a autorização do Governo do Estado, o 1º, o 2º e o 9º ano do Ensino Fundamental, e a 3ª série do Ensino Médio podem ocupar até 35% da capacidade das salas de aula. Na rede pública, parte dos municípios - incluindo Fortaleza e outros oito da Região Metropolitana - já informou que as aulas presenciais só ocorrerão em 2021. Nas particulares, 150 unidades voltaram com essas séries na Capital, segundo o Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do Ceará (Sinepe-CE) - 120 pela primeira vez desde março.
De mãos dadas com o pai, Kaleb retornou para o 1º ano num colégio do bairro Maraponga e foi recebido com festa por professores e outros colaboradores da unidade, incluindo uma enfermeira que acompanha as atividades de perto. "Tomar as preferências de uma criança é complicado. Por ele, não viria, porque não queria acordar cedo, mas preferimos estimular", afirma o pai, o empresário Ozivan Lima Moreira.
Para ele, além do aprendizado, a escola ajuda a desenvolver noções de compromisso e responsabilidade. "Acredito que a gente está numa situação controlada e na barreira natural de imunidade que as pessoas vão criando. Faço isso sem medo algum", justifica em relação à pandemia do coronavírus.
A disseminação da doença retraiu em todo o Ceará, mas ainda não está encerrada. De acordo com a plataforma IntegraSUS, da Secretaria Estadual da Saúde (Sesa), a média diária de novos casos nos últimos 15 dias foi de 240 registros. No mesmo período, a média foi de 11 óbitos a cada 24 horas. Em Fortaleza, os mesmos indicadores são de 22 e um, respectivamente, conforme os dados da Pasta.
Adaptação
A professora Patrícia Bezerra também levou a filha, Rafaela, de oito anos, para o primeiro dia de retorno, mas em caráter de teste. "Deixei ela à vontade. No começo, ela quis, mas depois soube que não vinham todos os amiguinhos. Eu disse para ela vir hoje para ver como vai ser. Não vem todo mundo. Melhor trazer agora do que quando a sala estiver lotada", explica.
No colégio Provecto, foram disponibilizadas três entradas, uma para cada etapa de ensino. No portão do Ensino Médio, a supervisora pedagógica Liane Garcia não escondia a empolgação em rever os estudantes. "É uma motivação pra gente também", destaca, recebendo cada jovem com um cumprimento de cotovelo e chamando pelo nome. "A vontade é de dar um abraço, mas a segurança vem primeiro", diz.
Equipamentos
Dentro das salas, além de dispensadores de álcool em gel e cartazes com os protocolos de etiqueta sanitária, a principal novidade é a condução das aulas. De máscara e face shield, os professores explicam o conteúdo para quem está presente e quem está em casa, por transmissão através de um tablet instalado no meio do cômodo. Do lado de fora, áreas comuns como cantinas e parques seguem interditados.
"Tudo é uma questão de rotina, de adaptação. Nosso objetivo é colocar isso para as famílias para que eles voltassem a seguir seus horários de estudo. É um desafio maior para o aluno", comenta o diretor do Provecto, Osvaldo Campos. "Tivemos que nos reinventar. Trocamos o pneu andando no começo, mas a escola sem aluno não tem vida, eles são os protagonistas", avalia.
Mesmo com a relutância da mãe, a aluna Bárbara Vitória, de 17 anos, optou pela ida à escola por cursar o importante 3° ano do Ensino Médio. Ela, que pretende estudar Direito com a nota conquistada no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), percebeu uma queda no próprio rendimento apenas com as aulas em modelo online.
"Pela minha mãe, eu não voltaria porque ela é muito preocupada com essas coisas. Mas eu quis voltar. É um diferencial muito grande para mim. Estava acostumada com uma rotina de ensino pesada e aí, foi desanimador ficar em casa direto. Percebia a diferença grande de estar em sala e ficar em casa", relembra.
Aldênio Cyrino, coordenador de ensino do Colégio Santa Cecília, no bairro Aldeota, garante que quem preferiu ficar em casa não será prejudicado. "Aqui, a mesma aula física será transmitida remotamente para os alunos que optaram por ficar em casa. De um dia pro outro, a educação passou a ser remota, mas essa relação presencial é importante. Há uma relação entre afeto e aprendizado que existe no ambiente de convivência", destaca o gestor.
A unidade educacional também tomou outros cuidados relacionados à circulação dos alunos nos ambientes internos. "Reduzimos a quantidade de alunos por sala e colocamos sinalizações em todos os espaços, sempre respeitando o distanciamento social", aponta o coordenador.
Preparação
O representante de medicamentos Cajado Júnior fez questão de deixar os gêmeos do 9º ano, Beatriz e Artur, no novo recomeço. "A gente se esforçou para absorver o conteúdo virtual, mas percebemos que os meninos ficam muito enjoados. Eles começam a se preocupar com o Enem e o conteúdo desse ano seria melhor presencial. É uma preocupação que pesa na decisão de trazê-los para a escola", diz.
Segundo decreto do Governo do Estado, os estabelecimentos de ensino podem fechar totalmente por 14 dias caso haja registros de Covid-19 nas instituições e não for detectado vínculo entre os estudantes e/ou profissionais contaminados pelo vírus. Algumas unidades privadas de Fortaleza criaram mapas de sala para, caso alguém manifeste qualquer sintoma, os contatos próximos sejam rastreados e apurados com mais facilidade pela instituição.