O direito ao voto e à liberdade de expressão foram reconquistados no Brasil a partir da luta de muitos sujeitos que resistiram aos anos da ditadura militar de 1964. Nessa caminhada rumo à democracia, muitos perderam a vida em meio às torturas, enquantos outros foram diretamente afetados pela perseguição política. Como forma de reparar por esse período, o Governo do Estado anistiou 12 ex-perseguidos políticos cearenses e formalmente se desculpou na última quarta-feira (2).
Ao todo, o Ceará já concentra 299 pedidos de anistia julgados, enquanto outros 46 estão em preparação para análise. O julgamento é realizado pela Comissão Especial de Anistia Wanda Sidou, entidade estadual vinculada à Secretaria da Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos (SPS).
Conforme o presidente da Comissão, professor Leunam Gomes, todos os ex-perseguidos políticos que tiveram processos julgados e pedidos de anistia concedidos nesta semana irão receber valor de R$ 30 mil, máximo nessa reparação, entre este ano e o próximo.
“Não há possibilidade de compensar os danos causados, é apenas uma reparação pelos prejuízos que o Estado causou para as pessoas só porque elas pensavam de uma forma diferente”, afirma, tendo sido ele próprio perseguido durante os tempos de ditadura.
Dentre as vitórias concedidas, há a de Daciane Barreto, Raimundo Nonato Teixeira, Maria Nadja Leite de Oliveira, José Eudes Freire de Horões, João Gentil Lopes e Rafael Cordeiro de Sousa.
Também há seis processos de vítimas já falecidas: Lylia da Silva Guedes Galetti, Carlos da Costa Jatahy, José Arruda Lopes, Carlos Thmosekhenko de Sales, Amadeu Alves de Lima, e Nilo Rodrigues da Silva. Segundo a SPS, as famílias irão receber os pedidos de reparação e a indenização.
Luta pela memória
A ex-presa política e atual coordenadora da Casa da Mulher Brasileira do Ceará, Daciane Barreto, 65 anos, já havia recebido a anistia em nível nacional, em 2009. Porém, receber essa reparação histórica em cenário estadual carrega um significado a mais. “Foi toda a minha atuação no Ceará que gerou a perseguição no Estado, sequestro, a perda de emprego, sob o tacão da ditadura militar de 1964”, diz.
Seu pedido correu entre abril e dezembro deste ano. “Foi votação unânime, não houve empecilho nenhum”, compartilha. Para ela, o papel da Comissão é muito importante para que a população consiga reparar minimamente às vidas afetadas pela repressão e ao mesmo tempo não permitir que o passado caia no esquecimento.
Percebe que a sua situação foi parecida à de outras pessoas, sendo histórias de vidas similares, ainda que não diretamente conectadas.
“Sofremos os castigos da ditadura, mas a grande diferença é que uns sobreviveram e outros, não. Que a gente nunca esqueça, que procure conversar com a juventude, discutir e mostrar o que foi. E que o Estado nunca precise pedir desculpas novamente para seu povo”, finaliza.
Comissão Especial de Anistia
A Comissão Especial de Anistia foi criada em janeiro de 2002, no Governo Tasso Jereissati e regulamentada pelo Decreto nº 27.242, de 5 de novembro de 2003, no Governo de Lúcio Alcântara. O grupo tem como objetivo indenizar ex-presos políticos no Ceará, com ressarcimentos de até R$ 30 mil.
“É o único estado que tem a sua comissão de anistia. E a gente avalia os processos, todos os comprovantes, se são depoimentos. Tem um relator, estuda, dá o parecer até ser aprovado”, explica o professor Leunam Gomes. Em cenário estadual, os julgamentos podem durar até seis anos, mas também ter prazos mais curtos.
Em novembro deste ano, a titular da SPS, Socorro França, empossou 24 novos conselheiros e conselheiras do colegiado. Nessa nova gestão, o presidente da comissão deseja promover atividades educativas e culturais sobre o tema, “fazer as pessoas lembrarem do que aconteceu, para que isso não volte a se repetir na história”, afirma.