Em 2005, a auditora fiscal Mariana Camelo tinha 23 anos. Acabara de concluir os estudos na faculdade de Contabilidade e possuía uma meta bem definida para si: ser aprovada em um concurso público na área, adquirir estabilidade financeira e construir uma carreira. Casar e formar uma família, planos que, algumas décadas antes, costumavam figurar dentre os principais anseios das mulheres de sua idade, estavam longe de ser prioridade. Só se tornaram um desejo concreto anos mais tarde, quando já havia alcançado seus objetivos.
Mariana é símbolo de sua geração e das que vieram depois dela, marcadas por mulheres jovens que mudaram sua relação com a maternidade, passando a retardá-la (ou optar por não ter filhos) em prol do crescimento pessoal e profissional. Sua história está expressa em números. Dados do levantamento Estatísticas do Registro Civil, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelam que as mães de 20 e poucos anos estão se tornando cada vez mais raras, e sendo substituídas por aquelas com mais de 30, como no caso da auditora.
"Eu pensava primeiro no lado profissional para depois pensar no lado pessoal. Queria terminar a faculdade, ter um emprego e uma boa condição financeira. Ter uma família nem passava pela minha cabeça", diz Mariana. Hoje, aos 35 anos, ela tem dois filhos. O primeiro veio aos 30 anos. O segundo, aos 34. "Para mim, foi a idade ideal. Antes disso, teria atrasado meus outros planos", afirma.
Segundo os dados do IBGE, em um período de 10 anos, de 2005 a 2015, o número de mulheres que se tornaram mães aumentou em quase todas as faixas etárias. A principal exceção foi entre as cearenses de 20 a 24 anos, idades que concentram o maior número de partos, mas que vêm registrando quedas seguidas nos últimos anos. Em 2005, o total de crianças filhas de mães nessa faixa etária era igual a 38.824. Em 2010, passou para 35.487. Em 2015, chegou a 33.765. Ao todo, a redução registrada no intervalo foi de 13%, aproximadamente.
Mudança de papel
Enquanto isso, no que refere às crianças filhas de mulheres com idade entre 30 e 34 anos, e entre 35 e 39 anos, houve aumento de 35,8% e de 31,8%, respectivamente, no período analisado. O crescimento alcançou, ainda que em menor grau, a faixa etária de 40 a 44 anos. De 2005 a 2015, os registros de filhos de mães nessas idades subiram de 2.978 a 3.003.
"Isso está muito ligado à mudança do modelo de família e do papel da mulher. Ela saiu do lugar da mulher do lar para se construir como pessoa, como profissional. Antes, existia aquela ideia de que, para ser mulher, tinha que ter filho. Essa ideia, hoje, é muito questionada. No momento em que mudou o lugar da mulher na sociedade, isso se transformou", diz a psicóloga Ana Frota, membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero Idade e Família da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Outra mudança no perfil percebida pelo levantamento do IBGE diz respeito às adolescentes. A gravidez precoce, preocupação recorrente da Organização Mundial de Saúde (OMS) e de entidade de defesa da infância e da juventude, regrediu no Ceará. Se, em 2005, o Estado registrou 27.396 filhos de meninas com menos de 19 anos de idade, uma década depois, em 2015, esse número caiu para 24.823.
Adolescentes
A redução, contudo, esconde um dado grave. A queda se deu entre meninas de 15 a 19 anos. Na faixa etária de 15 anos ou menos, houve aumento. "As adolescentes estão engravidando menos, mas estão engravidando de forma mais precoce. Isso acontece porque elas iniciam a vida sexual muito cedo e sem orientação. Mesmo que conheçam os métodos, não usam", observa Zenilda Bruno, chefe da divisão médica da Maternidade Escola Assis Chateaubriand (Meac).
A médica faz a relação entre os dois dados do IBGE: segundo ela, muitas mulheres que tiveram filhos após os 30 já foram mães adolescentes. "Existem muitas mulheres que iniciam a vida sexual sem orientação. Depois, passam por uma fase onde já têm essa consciência, começam a estudar mais, trabalhar, e só vão engravidar novamente a partir dos 30 anos, fazendo um planejamento melhor", acrescenta Zenilda.
Saúde
A médica destaca, contudo, que, embora do ponto de vista social o retardamento da maternidade tenha um lado positivo, demonstrando que mais mulheres estão planejando quando (e se) querem ter filhos em meio ao estudo e ao trabalho, do ponto de vista da saúde, a gestação muito tardia, assim como a precoce, gera preocupações. "Temos os dois extremos: mulheres engravidando cedo demais, ainda na adolescência, ou tarde demais, o que já é uma gravidez de risco", diz.
Em 2015, no Ceará, foram registradas 246 crianças filhas de mães com idade entre 45 e 49 anos, número semelhante ao observado em 2005 e em 2010. Também houve partos de mulheres acima dos 50 anos. Um total de 25, no mesmo ano. "A gestação acima dos 35 aumenta muito o risco de complicações de pressão alta, diabetes, bebês com malformação. Isso vai fazer com que as mulheres tenham mais riscos e também as crianças", ressalta.