Por entre os bairros de Fortaleza, é a partir de pequenas "clareiras" no meio urbano que surge a oportunidade de contribuir com o bem-estar coletivo, através da limpeza da cidade e, ao mesmo tempo, gerar benefícios individuais. Os 70 Ecopontos da capital foram criados nesse contexto e, desde dezembro de 2015, quando o primeiro equipamento foi inaugurado, mais de 139.602 toneladas de materiais recicláveis foram coletadas, de acordo com a Secretaria Municipal de Conservação e Serviços Públicos (SCSP).
Os locais também promovem impacto social positivo com o programa E-Carroceiro, que gerou um benefício total de R$ 1.155.121,04 em créditos repassados por meio de um cartão com moeda social. Já pelo programa Recicla Fortaleza, foi gerado um benefício de R$ 722.831,62. O valor foi distribuído entre as contas de energia de 27.653 usuários nos últimos quatro anos.
Entulhos e restos de poda são sinônimos de sustento para o carroceiro Ricardo José Andrade, 41, há cinco anos. A renda mantém a família, formada por ele, a esposa e quatro filhas. Os dias sob o sol, pelas ruas do Pirambu, não lhe impedem de chegar com um sorriso no rosto ao Ecoponto Leste Oeste, puxando o carrinho de mão até a balança.
"Isso aqui foi uma bênção. Eu já tenho meus clientes garantidos, que me ligam quando querem tirar algum entulho de obra das casas, e eles já davam algum dinheiro. Com o E-Carroceiro, ficou muito melhor", diz. O programa foi criado em 2017, mas ganhou novo sentido em 2018, quando passou a contar com a participação do Instituto Banco Palmas. Atualmente, estão registradas 564 pessoas.
Entulhos
Os carroceiros que desejarem participar da iniciativa devem se cadastrar em um dos Ecopontos da cidade. Então, podem levar os entulhos até a unidade, onde o material será pesado em uma balança. O trabalhador receberá o pagamento de acordo com a quantidade trazida, na forma de crédito em cartão, que pode ser utilizado no comércio da região ou para retirada do dinheiro.
Para Francisco de Souza, 55, a manhã da última quinta-feira (30) foi produtiva: antes das 10h, já havia levado um pequeno carregamento de restos de obra para o Ecoponto Leste Oeste, que lhe rendeu R$ 100 de crédito. De lá, seguiu para o mercado credenciado do bairro, para fazer as compras do dia. "Vale muito a pena. É um serviço muito pesado, mas vale. Dá para sobreviver", afirma. Ele deixou de trabalhar na construção civil há quatro anos, e passou então a atuar como carroceiro.
"Fortaleza implantou um programa de coleta seletiva e gestão integrada de resíduos sólidos, e hoje temos resultados surpreendentes. Temos o Ecopolo, um conceito diferenciado na Leste-Oeste, com 1.500 metros, onde existe governança, três Ecopontos e um programa de sucesso, o E-Carroceiro", avalia o coordenador especial de Limpeza Urbana e Resíduos Sólidos da SCSP, Albert Gradvohl.
"Antes, os carrinhos dos carroceiros eram confiscados, achando que eram um problema. Agora, o carroceiro é uma virtude, uma pessoa que limpa a cidade, e acaba ajudando aquelas construções que geram entulho", diz. Segundo ele, a Prefeitura está licitando mil carrinhos para criar mais chances de geração de renda para carroceiros.
O caminho percorrido pela pensionista Maria Margarida da Silva, 71, de sua casa até o Ecoponto Barra do Ceará, tornou-se rotina em 2019. Em uma cesta de ferro, movida a pequenas rodas, ela traz o que acumulou durante algumas semanas: garrafas plásticas, de vidro e alguns recortes de papelão. A recompensa é o desconto na conta de energia.
"Eu costumava juntar essas coisas que sobravam em casa e dar pros vizinhos, que iam pegar desconto também. Depois de um tempo, achei melhor ficar usando pra mim mesma", revela. Margarida já chegou a pagar quase R$ 100 na conta de energia, e hoje reduziu a despesa para cerca de R$ 15, contribuindo para o programa Recicla Fortaleza.
Para participar, basta levar a conta da Enel a um dos Ecopontos, fazer o cadastro e receber o cartão do programa. Lá, é possível conferir a tabela de valores dos resíduos recicláveis, pois o crédito será calculado de acordo com o peso e os tipos de materiais, considerando o mercado.
Saúde
O coordenador de limpeza urbana da SCSP enfatiza a mudança de comportamento da população como fator para o sucesso dos Ecopontos. No início, segundo ele, os equipamentos que geravam mais receita eram os de periferia. Hoje, quase todos os bairros integram a iniciativa, com destaque para Sapiranga, Fátima, Varjota, Messejana, Pirambu e Barra do Ceará. Segundo ele, nota-se o engajamento da população, independentemente da renda.
"Isso é muito importante principalmente em épocas chuvosas. É praticamente um equipamento de saúde preventiva", avalia Gradvohl. "Nós temos esse material que a pessoa já sabe que pode descartar: a poda, um fogão ou geladeira velhos. Vêm para cá e voltam para o ciclo produtivo da reciclagem".